Ler a autobiografia do cineasta, ator, roteirista, dramaturgo e escritor Woody Allen, para dizer o mínimo, significa um mergulho no consciente e subconsciente de um artista polêmico, profícuo e prolixo, cujos personagens em alguns trechos pulam das páginas do seu livro, de tão vibrante que é seu relato em primeira pessoa.
Estão ali, o garotinho fanático por programas de rádio e cuja família dividia a casa com outros tantos parentes, como aparece no ótimo "A era do rádio". Ou o jovem tímido, inseguro e cheio de neuroses e manias que se sentia livre das agruras da realidade quando passava suas tardes nos cinemas, como a sonhadora Cecília, da obra prima "A rosa púrpura do Cairo".
Há os relatos ácidos quanto à incompetência dos professores, exatamente como o cineasta mostra no premiado "Noivo neurótico, noiva nervosa", assim como a precoce atração sexual por suas coleguinhas de escola. A paixão de Allen pelo jazz tradicional, por Sidney Bechet, cuja canção o diretor utilizou como trilha de abertura do fascinante "Meia noite em Paris" ou na falsa biografia do problemático guitarrista de "Poucas e boas".
Allen também aprendeu truques de mágica e ele conta isso no livro. Claro, que se você assistiu "Scoop, o grande furo", vai lembrar que o personagem dele no filme, vejam só, é um mágico, aliás muito atrapalhado. Referências como essa surgem no desenrolar dos capítulos da autobiografia. Tudo nos remete aos seus filmes e personagens, vividos por Allen ou não.
Outro ponto interessante é a forma como Woody Allen conta de sua convivência com os pais. Cheia de conflitos e surras diárias que a mãe lhe dava. O pai, que era um apostador, trabalhava como motorista de táxi, segredo que o jovem Allen descobriu por acaso, como o pai sonhador e fracassado de "A era do rádio", sempre se recusando a contar ao filho no que trabalha.
Woody Allen, pelo menos nas várias entrevistas que li, sempre negou que seus personagens nada têm de autobiográficos. Bem, na autobiografia, ele deixa bem claro que vem enganando a todos há muito tempo. Mas este é o mérito de um genial contador de histórias e realizador de mais de 50 filmes, dos quais pelo menos 30 são obras primas. Mesmo seus longas mais irregulares são superiores a muitos que o cinema vem jogando para os espectadores há mais de 50 anos.
A autobiografia de Allen, isso posso garantir, tem muito mais para cativar e fazer rir o caro leitor. Suas opiniões sobre vários temas, por exemplo, Deus, a morte, relacionamentos, mulheres, filmes, ou como ele a cada três ou quatro parágrafos se auto deprecia sem reservas ou pudores, pode chocar os desavisados e adeptos do vício pavoroso do politicamente correto.
No mais é ler e rir muito de suas tiradas, ironias, pontos de vista e quase tudo, inclusive a polêmica separação da ex-musa Mia Farrow, o escândalo do seu romance com a filha adotiva de Mia, com quem Allen está casado, a luta pela custódia dos filhos, as acusações de ter molestado sexual a filha, algo nunca provado, no entanto, quase jogou sua carreira no limbo. E por aí vai. Nada de fúria. Nada de silêncio. Não é William Shakespeare, mas é pura e simplesmente, Woody Allen.
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