Texas desafia a American Bar Association e abre disputa sobre quem controla o ensino jurídico nos EUA
Nos Estados Unidos, todos os programas de curso relacionados ao Direito devem, obrigatoriamente, ser credenciados pela American Bar Association (ABA), uma exigência que, há décadas, confere à entidade o controle absoluto sobre quem pode ou não formar advogados no país. Programas não credenciados pela ABA simplesmente não possuem validade legal, o que significa que seus graduados não podem prestar o exame da Ordem dos Advogados (Bar Exam) nem exercer a advocacia em quase todos os estados americanos.
Mas esse cenário começou a mudar. Em um movimento sem precedentes, o estado do Texas decidiu romper com essa tradição, pondo fim ao monopólio da ABA e abrindo espaço para que outras instituições e modelos de acreditação possam coexistir. O gesto desafia diretamente o domínio histórico da associação e expõe uma disputa crescente dentro do próprio território norte-americano: quem deve definir os padrões do ensino jurídico, uma entidade privada ou os estados soberanos?
Um século de controle absoluto
A ABA foi fundada há mais de cem anos com o objetivo de estabelecer parâmetros de excelência e ética profissional. Com o tempo, tornou-se a única agência de acreditação de faculdades de Direito reconhecida nacionalmente. Seu selo passou a ser condição indispensável para o reconhecimento de qualquer programa jurídico nos Estados Unidos.
Zack Smith, pesquisador jurídico da Heritage Foundation e autor da reportagem publicada pelo The Daily Signal, descreve essa realidade de forma contundente: "Programas não credenciados pela ABA não têm validade legal. Isso garante à associação um poder desmedido sobre a educação e o exercício da advocacia no país."
Entretanto, segundo Smith, a ABA teria se afastado de seu propósito original, passando a adotar posições políticas e ideológicas sob a justificativa de promover diversidade, equidade e inclusão (DEI). Essa guinada, considerada por alguns especialistas como uma distorção de sua missão, acendeu um alerta em estados que defendem maior autonomia e neutralidade institucional.
Texas rompe o silêncio e abre um novo precedente
A decisão da Suprema Corte do Texas marca o início de uma nova era. O tribunal anunciou que, a partir de 2026, não exigirá mais que candidatos ao exame da Ordem dos Advogados sejam formados em faculdades credenciadas pela ABA. Em vez disso, caberá à própria Corte determinar o que constitui uma "faculdade de Direito aprovada" dentro do estado.
Em nota, o tribunal afirmou que "a ABA não deve mais ter a palavra final sobre quem pode prestar o exame da Ordem dos Advogados do Texas". A decisão será precedida por um período de consulta pública, mas já representa um golpe significativo à hegemonia da associação.
O movimento texano reflete um crescente descontentamento entre legisladores e juristas com o poder concentrado da ABA, cuja influência ultrapassa o campo acadêmico e alcança dimensões políticas e ideológicas.
Política, poder e uma ordem executiva
O debate sobre o papel da ABA chegou à esfera federal. Em abril, o ex-presidente Donald Trump emitiu uma ordem executiva que criticava explicitamente as práticas de acreditação da ABA, acusando a entidade de violar leis federais ao impor políticas de discriminação sob o pretexto de iniciativas de DEI.
A Procuradora-Geral dos EUA, Pam Bondi, também advertiu a associação, alegando que suas práticas poderiam estar infringindo a legislação norte-americana. Segundo críticos, a ABA teria ameaçado instituições de ensino que se recusavam a adotar políticas raciais diferenciadas, além de interferir em discussões constitucionais controversas.
Um movimento que pode se expandir
Após o Texas, a Suprema Corte da Flórida já avalia uma medida semelhante. Outros estados observam com atenção o desdobramento do caso, e há quem preveja um efeito dominó capaz de transformar completamente a estrutura da educação jurídica americana.
Zack Smith vê o momento como uma "restauração da liberdade educacional":
"Por décadas, a ABA foi tratada como guardiã incontestável do ensino jurídico. O Texas está mostrando que os estados também têm o direito de definir seus próprios padrões."
Um sistema de excelência em crise de legitimidade
O credenciamento educacional norte-americano sempre foi referência mundial, admirado por seu rigor e qualidade. Entretanto, as recentes divergências entre estados e o governo federal, somadas às acusações de partidarização, colocam em xeque a estabilidade e a credibilidade do sistema.
O que antes era um consenso, a supremacia da ABA como garantia de qualidade, agora se converte em debate nacional sobre liberdade acadêmica, autonomia estadual e diversidade de modelos educacionais.
O caso do Texas é mais do que uma questão de política educacional; é um divisor de águas sobre quem deve definir o futuro da formação jurídica nos Estados Unidos. À medida que outros estados cogitam seguir o mesmo caminho, a era do monopólio da ABA pode estar chegando ao fim, e com ela, um século de controle centralizado sobre o acesso à advocacia no país.
• Gabriel César Dias Lopes
Pesquisador e Ph.D em Educação pela European International University (França), com diploma Revalidado pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Graduado em Direito e Especialista em Direito Educacional. Fundador, Presidente e Reitor advitam da Logos University International. Primeiro brasileiro homenageado pela Casa Legislativa do Estado do Texas pela sua honra e distinção na área da Educação. Inspetor de QA pela IEAC (UK), autor do Livro: "Conformidade e Excelência: Garantia da Qualidade no Ensino Superior", Editora Arcádia. Membro e Delegado para o Rio de Janeiro da Academia de Letras e Artes da Guiné-Bissau.
Gabriel Lopes