Universidades demitiram apenas 6% dos professores acusados de assédio sexual nos últimos 10 anos
Foto: Reprodução
Roberta* era aluna da Universidade Federal de Roraima (UFRR), em 2014, quando teria sido assediada por um de seus professores.
Segundo o relato da estudante, o docente tentou beijá-la após uma carona. Roberta* negou e disse que gostaria que a relação entre os dois se mantivesse apenas no âmbito professor-aluna.
A estudante disse que o docente recusou o "não", a beijou à força e apalpou seus seios. O caso foi levado à direção da universidade quase um ano depois, em março de 2015.
Roberta* explicou à comissão responsável por analisar o caso que, "pelo fato de ser aluna, acreditava não ter credibilidade para fazer a denúncia contra o professor".
Ela só foi convencida a formalizar o processo por um outro docente da faculdade.
Esses relatos estão em uma investigação da universidade à qual a reportagem teve acesso.
O caso de Roberta* é um dos mais de 270 registrados em universidades federais de todo o país e representa uma minoria: um caso em que o professor acusado foi punido pela instituição.
A CNN realizou um levantamento exclusivo e inédito sobre o quadro de denúncias de assédio sexual contra professores nas universidades brasileiras.
Os dados foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação e indicam que apenas 6% dos processos resultaram em demissões dos docentes acusados desse tipo de conduta.
O número de denúncias provavelmente é subdimensionado, segundo especialistas ouvidos pela CNN, já que muitos estudantes, sobretudo mulheres, evitam apresentar as denúncias formalmente.
O relato de Roberta* corrobora com esse receio: ela acreditava, à época, que não teria credibilidade suficiente para apresentar a denúncia.
No documento, Maria*, outra estudante da UFRR, relatou um episódio parecido. Segundo ela, também em uma carona, o mesmo docente pegou um caminho diferente do usual.
"O professor parou o carro em um local meio escuro e tentou beijá-la. A depoente [a estudante] não permitiu o beijo e disse que não queria beijá-lo. O professor insistiu, alegando que eram solteiros e não tinha problema nenhum. Depois de alguma insistência, a depoente disse que se o professor não parasse de insistir, desceria do carro. O professor disse que não precisava que a depoente descesse e a levou para a residência universitária. Ao chegar na residência universitária, o professor novamente tentou beijar a depoente e ela tornou a rejeitar", mostra o depoimento de Maria* à universidade.
Diversas outras alunas relataram práticas incômodas do professor. Uma delas afirmou que o docente "dizia que conquistaria a mulher que quisesse, que tinha bom papo e as mulheres que se envolviam com ele queriam se casar".
O docente foi demitido ao fim do processo. Um dos elementos que ajudaram na punição foi uma gravação de Roberta* em que se ouve o professor dizendo que "um beijinho não mata ninguém".
No áudio, ele diz não ver nenhum problema no relacionamento de um professor com uma aluna. A estudante deixa claro na gravação que quer ter outro tipo de relação.
Para a advogada Mayra Cotta, especializada em gênero, formada pela Universidade de Brasília e doutoranda em Política na New School for Social Research, em Nova York, as instituições precisam desenvolver mecanismos para analisar casos de assédio.
Nesses processos, ela diz, nem sempre serão encontradas provas materiais tão concretas como em denúncias de corrupção.
"A cabeça do investigador, que está acostumado com casos de fraude e corrupção, vai olhar para prova cabal material de quando o assédio aconteceu. Mas precisa virar essa chave para entender que nem sempre vai ser um ato só, vai ser um processo e que em casos de assédio a gente vai ter o relato da vítima e a gente vai ter elementos probatórios corroborando pedaços desse relato", afirmou à CNN.
"A maioria dos casos a gente não vai ter um vídeo do momento em que o professor tentou agarrar a aluna à força, ou uma testemunha que viu isso, mas a gente vai ter, por exemplo, testemunhas que viram ela saindo da sala do professor com o rosto vermelho, chorando, uma série de trocas de mensagens contextualizadas que vão demonstrar a progressão dessa conduta inapropriada", completou.
A punição da UFRR ao docente, cujo nome foi omitido nesta reportagem, é uma raridade no âmbito das universidades federais brasileiras.
Na Universidade Federal de Cariri (UFCA), em Juazeiro do Norte (CE), o caso da estudante Amanda* confirmou a regra. A aluna relatou ter sido assediada sexualmente quando um professor teria lhe dado um tapa nos glúteos, em 2017.
Amanda* ainda disse que ouviu do professor que teria que "tomar cuidado com as roupas para não parecer somente uma bunda".
O mesmo professor foi acusado por outras mulheres da UFCA.
Cristina* relatou que ele "gosta de brincar pegando no bumbum das mulheres que estão ao redor dele".
Outra aluna, Elis* disse que teve contato com o docente por volta de 2013. Posteriormente, relatou que o professor "perguntou porque ela teria tantos pelos no corpo e que ele gostaria de saber se ela era homem ou mulher, externando que gostaria que ela tirasse a roupa para o acusado [o professor] constatar".
Fernanda* também teve contato com o professor e relatou condutas que considerou inapropriadas. Ela teria de enviar um conteúdo em vídeo ao docente por ter faltado a uma avaliação da disciplina.
Segundo a estudante, o professor "falou que ela não enviasse esse vídeo seminua, o que ela encarou como assédio".
Fernanda* ainda disse que o docente "a perguntou quando ela entraria com o processo de assédio contra ele" e que ele já a teria chamado de "morena bonita" em um "tom invasivo".
Os relatos constam em relatório obtido pela CNN sobre assédio feito pela Universidade Federal de Cariri, que preservou a identidade do docente.
As acusações apresentadas por diversas alunas se somaram a depoimentos de outras testemunhas que, em contrapartida, disseram que o professor era um exemplo de profissional, uma pessoa "alegre", que "gosta de brincar" e que ele dava "tratamento igual a todos os alunos".
O acusado negou no processo que tenha passado a mão no corpo de alunas e chegou a alegar que uma das denunciantes tinha "algum tipo de desequilíbrio emocional, pois depois que ela o acusou dessa conduta, pediu ao depoente [professor] um abraço em público no pátio da universidade", ato que a própria aluna confirma ter existido.
O professor afirmou que "a partir do episódio da orientação a uma aluna que estava usando roupas curtas em Sobral percebeu que outras alunas podem ter interpretado de outra forma essa orientação", que, segundo ele, "era didática e não sexual".
Ao fim do processo, diante da ausência de outras provas além do testemunho das vítimas, a Universidade Federal de Cariri decidiu arquivar o processo, em maio de 2019.
CNN Brasil