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Entidade sem funcionários faturou R$ 221 milhões com a farra do INSS

Para a CGU, a CBPA não tem estrutura para atender o contingente de pescadores filiados e desconfia de fraude nos descontos do INSS


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Entidade sem funcionários faturou R$ 221 milhões com a farra do INSS

Antonio Cruz/Agência Brasil

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Documento da Controladoria-Geral da União (CGU) aponta que a Confederação Brasileira dos Trabalhadores de Pesca e Aquicultura (CBPA) não tem nenhum funcionário registrado e, mesmo assim, registrou "aumento exponencial no número de filiados" após celebração de convênio com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A entidade é suspeita de realizar descontos indevidos na aposentadoria de dezenas de milhares de segurados.

A informação consta em relatório da CGU utilizado para abertura de processo de responsabilização (PAR) contra a CBPA. O órgão entendeu que a entidade não tem estrutura para atender o contingente de filiados e, portanto, desconfia de fraude. A coluna fez contato com a confederação e o presidente da entidade, mas não houve retorno.

Essa mesma desconfiança já tinha sido apontada pela Polícia Federal. A entidade não tinha um associado em 2022, quando firmou seu Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com o INSS para poder efetuar descontos de mensalidade sobre aposentados.

Um ano depois, já em 2023, o número chegou a mais de 340 mil associados, resultando em uma arrecadação anual de R$ 57,8 milhões. No primeiro trimestre de 2024, auge da farra dos descontos indevidos, o número de filiados chegou a 445 mil, e o faturamento bateu R$ 41,2 milhões no período.

"Em janeiro de 2024 a associação contava com 408.514 descontos associativos vigentes no INSS. Além do total de descontos, chama a atenção o crescimento vertiginoso do volume de contribuições associativas entre junho e julho de 2023. Em junho de 2023, do total de descontos autorizados era de 34.964. Já em julho de 2023 esse total era de 222.511. Isto é, foram adicionados 187.547 descontos associativos", escreveu a CGU no relatório.

Dessa forma, o órgão suspeita que a confederação tenha contratado uma empresa de telemarketing para buscar as filiações, o que é vedado conforme os termos do Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com o INSS.

"Considerando o mês com 22 dias úteis e 8 horas de jornada de trabalho diário, a CBPA teria adicionado 8.524,86 descontos associativos por dia útil, isto é, 17,76 descontos por minuto".

"A CBPA não tem registro de nenhum funcionário junto à RAIS [Relação Anual de Informações Sociais], mas os quantitativos de descontos associativos adicionados são tão elevados que mesmo que associação alegasse possuir 100 funcionários, os descontos associativos nessa quantidade ainda seriam improváveis de terem sido incluídos com observância de todas as formalidades legais e contratuais".

Reprodução/CGU

Entidade fez 40 mil solicitações de inclusão de descontos de pessoas mortas

Como mostrou a coluna em outubro, a CGU identificou que a CBPA solicitou, 40 mil vezes, a inclusão de descontos em benefícios de pessoas mortas.

"Além dos indícios anteriormente expostos que apontam que a CBPA vinha promovendo descontos sem autorização em benefícios previdenciários, um achado da investigação indica que, em tese, ela vinha apresentando informações falsas ao INSS para essa finalidade", diz trecho do documento.

Em seguida, a CGU descreve que foram encaminhadas pela Dataprev informações que permitiram constatar que, ao longo da execução do convênio com o INSS, a entidade "solicitou a inclusão de descontos que não foram efetivados em razão de os benefícios estarem inativos. Em diversos desses casos, a inativação decorreu do falecimento do titular do benefício".

"Em levantamento realizado, identificou-se que, em ao menos 40.054 oportunidades, a entidade tentou incluir descontos em benefícios que, no momento da solicitação, já estavam encerrados em decorrência do óbito do beneficiário".

As regras do convênio estabeleciam que, em caso de óbito, era obrigação da CBPA comunicar imediatamente o fato ao INSS e restituir eventuais valores recebidos indevidamente. Nesse sentido, a CGU identificou a tentativa de inclusão de desconto, pela CBPA, de uma filiada em dezembro de 2023. A mulher, no entanto, tinha falecido sete anos antes, ou seja, em fevereiro de 2016.

"Inclusive, a data do óbito do suposto filiado teria se dado antes da abertura da CBPA, que se deu somente em 04/05/2020 (…), de modo que seria impossível ele ter sido filiado a uma entidade que sequer existia, ou mesmo autorizado descontos referentes a um ACT que não havia sido assinado".

Presidente da CBPA presta depoimento à CPMI do INSS

A Confederação Brasileira dos Trabalhadores de Pesca e Aquicultura é uma das entidades que está sob suspeita da PF na operação Sem Desconto, deflagrada em abril deste ano e que investiga as fraudes nos descontos de segurados do INSS. A CBPA ainda aparece como uma das entidades que pagou o lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, o Careca do INSS, um dos pivôs do escândalo revelado pelo Metrópoles.

A confederação tem como presidente Abraão Lincoln Ferreira da Cruz, que já comandou o Republicanos no Rio Grande do Norte e foi candidato a deputado federal pelo partido em 2018.

Ele mantém relação com políticos do partido, tanto figuras regionais como nacionais. A influência se estende também ao próprio INSS. Em 2024, o ex-diretor de benefícios André Fidelis pegou uma diária somente para ir a uma festa da entidade. Investigado pela PF, Fidélis foi exonerado do cargo em julho do ano passado, após reportagens da "Farra do INSS", do Metrópoles.

O presidente da CBPA presta depoimento à CPMI do INSS nesta segunda-feira, 3/11. Tanto ele quanto a confederação tiveram bens bloqueados, a partir da requisição da Advocacia-Geral da União (AGU). O colegiado já aprovou a quebra de sigilos fiscais e bancários da entidade e de Abraão.


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