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Uma das passagens mais citadas por pastores para repreender fiéis que faltam aos cultos é Hebreus 10:25: "Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns, antes façamos admoestações, e tanto mais quanto vedes que o dia se aproxima."
Mas poucos explicam o contexto histórico dessa exortação. Muitos usam esse versículo isolado como ferramenta de culpa, quando, na verdade, ele nasceu num cenário muito mais profundo — e perigoso.
A carta aos Hebreus foi escrita a cristãos judeus convertidos que enfrentavam intensa perseguição religiosa e social. Ser cristão naquele tempo podia significar perder tudo: família, emprego, aceitação na comunidade, liberdade e até a vida. Não comparecer à reunião dos santos, para muitos deles, não era negligência — era uma questão de sobrevivência. O autor de Hebreus, ao dizer "não deixemos de congregar-nos", está encorajando irmãos atemorizados a não abandonarem a fé por causa das ameaças. Ele fala a uma comunidade fragilizada, tentando reacender a esperança e a perseverança no meio da dor, e não para impor um legalismo ritualista.
Nos dias atuais, o que impede alguém de ir à igreja não é a perseguição, mas a exaustão da vida moderna. Jornadas duplas, triplas, responsabilidades familiares, sobrecarga emocional, problemas de saúde, visitas inesperadas ou até o desejo legítimo de passar um tempo com a família. Todas essas situações acabam sendo motivo de julgamento por parte de líderes e irmãos que confundem presença com fidelidade. Infelizmente, em muitos contextos, as ausências são recebidas com olhares de reprovação, indiretas no púlpito e acusações veladas de frieza espiritual.
Isso não é evangelho. Isso é opressão espiritual disfarçada de zelo.
O mundo mudou. O ritmo da sociedade atual exige flexibilidade, empatia e sabedoria pastoral. Talvez, em vez de criticar os ausentes, muitas igrejas deveriam reavaliar seus horários e modelos de culto. Por que manter horários engessados que dificultam a participação? Por que não criar alternativas mais acessíveis e humanas?
Infelizmente, em alguns casos, o culto tem sido visto como instrumento de arrecadação, e a igreja como uma empresa que mede sucesso por número de cadeiras ocupadas. Esse é um desvio perigoso do verdadeiro propósito da congregação cristã.
A comunhão entre irmãos é fundamental para o fortalecimento da fé. Mas congregar deve ser um desejo espontâneo de compartilhar experiências espirituais, ouvir uma ministração que edifica, orar juntos e ser fortalecido em comunidade. Não uma obrigação imposta sob pena de exclusão ou julgamento.
Pedro, o apóstolo, advertiu claramente os líderes da igreja: "Pastoreiem o rebanho de Deus que está aos seus cuidados. Cuidem dele, não por obrigação, mas de livre vontade, como Deus quer; não façam isso por ganância, mas com o desejo de servir; não ajam como dominadores dos que lhes foram confiados, mas como exemplos para o rebanho." (1 Pedro 5:2-3)
Adorar a Deus não se limita a cantar com o grupo de louvor no templo. A verdadeira adoração acontece na vida diária, nos gestos, nas escolhas, na conduta.
Paulo escreve aos Romanos: "Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus — este é o culto racional de vocês." (Romanos 12:1). Jesus também ensinou que o Pai busca adoradores em espírito e em verdade (João 4:23), e não frequentadores por obrigação.
É hora de parar de medir espiritualidade por frequência. A fé é vivida com intensidade mesmo fora das paredes da igreja. A comunhão é importante, mas ela só faz sentido quando é voluntária, leve e edificante. Congregar não é um mandamento para controlar, mas um convite ao cuidado mútuo, à presença amorosa entre irmãos, e não uma regra opressiva baseada em méritos ou arrecadação.
Fernando Pereira