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A liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que suspende ações de desintrusão em reservas extrativistas de Rondônia reacende um dilema estrutural e muito antigo no Brasil: o conflito entre a regularização fundiária, a preservação ambiental e os direitos de quem vive da terra. A decisão, solicitada pela Assembleia Legislativa (Alero), visa proteger produtores rurais de medidas como cortes de energia, bloqueios de Guias de Trânsito Anima(GTA) ou remoção de animais — práticas que vinham sendo impostas de forma abrupta e sem a devida garantia do direito de defesa.
De um lado, há famílias que ocupam essas áreas há décadas. Para muitos, a terra não é apenas uma fonte de renda — é o sustento e a herança deixada por antepassados. A suspensão das ações de despejo representa, portanto, um fôlego essencial. Dá-se a essas pessoas o tempo e a segurança jurídica para continuarem produzindo, aguardando o julgamento definitivo, sem o temor de perder tudo subitamente. Trata-se de uma demanda legítima, sobretudo em regiões onde a agricultura e a pecuária constituem a base da economia local.
Por outro lado, há o imperativo de assegurar que a criação de reservas extrativistas respeite a legislação. Relatórios de uma CPI da Assembleia apontam para potenciais irregularidades quando das criações dessas áreas — indícios que não podem ser ignorados. Reservas ambientais cumprem papel fundamental na conservação de biomas, na proteção da biodiversidade e na manutenção dos recursos naturais. Desrespeitar seus limites ou permitir ocupações irregulares sob o pretexto de assegurar meios de subsistência equivale a legitimar o afrouxamento das regras de uso da terra.
O ideal seria que, diante desse impasse, o Estado pudesse avançar em uma política de regularização fundiária criteriosa, que reconheça o direito dos ocupantes originários ou tradicionais, ao mesmo tempo em que garanta a proteção do meio ambiente. Isso exige transparência, diálogo, estudos territoriais bem fundamentados e mecanismos de compensação, nas situações cabíveis.
Neste momento, a liminar do STF não resolve o conflito — apenas adia sua resolução. Ela confere segurança imediata aos produtores, mas deixa em aberto a questão sobre a legitimidade das ocupações. O julgamento final terá implicações que vão além dos afetados diretamente: poderá definir precedentes para a expansão ou restrição de áreas extrativistas, reordenar políticas ambientais, e impactar a forma como o país concilia desenvolvimento rural com preservação ecológica.
Enquanto isso, resta ao Estado, aos atores da sociedade civil e aos ocupantes das terras agir com responsabilidade. Que se utilizem os meios legais, dentro do devido processo, para se construir uma solução duradoura. Que se preservem os direitos daqueles que vivem da terra — mas sem abrir mão da proteção ambiental. A busca por um equilíbrio não é fácil, mas é imprescindível para garantir justiça social e sustentabilidade.
Diário da Amazônia