Amazonas

No Esforço de Guerra, a retomada da navegação e das infraestruturas para o escoamento da produção

A Batalha da Borracha possibilitou o renascimento do tráfego fluvial nas águas dos rios amazonenses


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É importante relembrar que, após o declínio da economia da borracha em 1912, toda a infraestrutura dedicada ao comércio dos seringais amazônicos — tanto para gêneros de primeira necessidade quanto para a produção de borracha — foi gradativamente desmobilizada. A Batalha da Borracha possibilitou o renascimento do tráfego fluvial nas águas dos rios amazonenses, ao mesmo tempo em que encerrava a trajetória dos navios a vapor na região. Com a reativação dos seringais, as embarcações voltaram a atracar nos portos do interior, o que passou a representar motivo de prestígio para os seringalistas junto às comunidades locais.

Se o recrutamento de mão de obra foi garantido por meio do arranjo institucionalizado pelo Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia (SEMTA), que trouxe braços nordestinos para os seringais amazônicos, coube à Superintendência de Abastecimento do Vale Amazônico (SAVA) estabelecer todas as infraestruturas necessárias para o abastecimento, interagindo com órgãos de transporte do Brasil e dos Estados Unidos da América. A SAVA foi criada no final de 1942, por meio do Decreto-Lei nº 5.044, atuando como órgão logístico e administrativo, sediado em Belém (PA), responsável por distribuir suprimentos aos trabalhadores nos seringais da Amazônia — alimentos, medicamentos e ferramentas — e por viabilizar a estrutura logística necessária ao abastecimento dos seringais e ao escoamento da produção de borracha. Passadas mais de três décadas do declínio da economia da borracha, era evidente que pouco restava da infraestrutura logística do início do século, por motivos óbvios: não havia atividade econômica capaz de sustentar tais serviços. Por conta dessas evidências, o regulamento que instituiu a SAVA cuidou de garantir, no Art. 3º do Decreto-Lei nº 5.044/1942, pelo menos três atribuições institucionais estratégicas:

• controlar o transporte dos gêneros necessários na Amazônia, em colaboração com os órgãos especializados de transporte;

• providenciar transporte, dentro ou fora do país, sempre que o abastecimento pelos canais normais do comércio se mostrar insuficiente; e

• Entrar em entendimento, no Brasil, com agências da Rubber Reserve Company ou outras entidades do governo dos Estados Unidos da América, sobre questões relativas ao recebimento e à distribuição de gêneros e mercadorias destinadas ao fomento da produção de borracha na Amazônia.

Em 1940, os Estados Unidos da América criaram a Rubber Reserve Company (RRC), com o objetivo de garantir o suprimento estratégico de borracha natural e sintética para a defesa nacional nos primeiros anos da Segunda Guerra Mundial, atuando sob as orientações de órgãos militares e econômicos norte-americanos. Com o agravamento da guerra e a assinatura dos Acordos de Washington entre Brasil e EUA, em 1942, foi criada a Rubber Development Corporation (RDC), com atuação voltada para a Amazônia. Para tanto, instituiu-se um sistema de transporte administrado pela empresa, com sede no Teatro Amazonas, cujo principal desafio era assumir as funções do antigo sistema de aviamento — ou seja, abastecer os seringais e as casas aviadoras com bens de primeira necessidade, transportar trabalhadores para os seringais e enviar o produto aos Estados Unidos.

Samuel Benchimol, em O Romanceiro da Batalha da Borracha (1992), indica que o desconhecimento da região por parte da RDC resultou em inúmeras decisões equivocadas que comprometeram a logística operacional, tais como:

• envio de trabalhadores atrasados ou adiantados para os seringais em épocas que não coincidiam com o fábrico da borracha;

• falta de suprimentos em períodos de seca, quando os altos cursos dos rios da borracha não eram alcançados;

• recebimento de seringueiros por seringais que ainda não tinham estradas de seringa;

• recebimento de trabalhadores por seringalistas sem a justa contrapartida de suprimentos para mantê-los, enquanto outros recebiam suprimentos sem receber homens;

• alguns seringais com alta produção não recebiam nem homens e nem suprimentos ao passo que localidades de baixa produtividade recebiam os dois.

A empresa criada para planejar a logística na região desconhecia totalmente o território amazônico e, por isso, embora a RDC tenha desempenhado papel crucial no esforço de guerra, seus resultados foram limitados. Ainda assim, não se pode negar que o esforço empregado possibilitou dinamizar novamente os rios amazônicos, com a singradura dos navios a vapor ainda existentes e muitos outros que já utilizavam as novas tecnologias de propulsão a combustol (óleo diesel).

Com o fim da guerra, o desejo americano de criar plantations de borracha na Amazônia como fonte estratégica de abastecimento se arrefeceu, pois os custos envolvidos eram superiores aos custos de importação do produto asiático, além do avanço das pesquisas de borracha sintética nos Estados Unidos. A presença da Ford em Fordlândia e Belterra também não perduraria após o fim da guerra, pois a borracha natural passou a sofrer concorrência acirrada dos elastômeros artificiais. Os investimentos em plantações tornaram-se inviáveis à medida que o governo passou a adotar políticas de incentivo e garantias de compra para outros setores (café, cana e algodão), fazendo com que muitos investidores desistissem da borracha. Enquanto isso, a borracha continuava sendo um produto estratégico para a economia mundial, com o avanço do rodoviarismo nos países em desenvolvimento, já que os pneus passaram a impactar diretamente o preço de tudo o que se transportava por veículos motorizados — inclusive alimentos e trabalhadores urbanos. No entanto, a borracha silvestre amazônica voltou a enfrentar a concorrência da produção asiática.

Após o período de exclusividade na compra da borracha amazônica pelos Estados Unidos, estabelecido nos Acordos de Washington e expirado em 1947, uma nova crise se instalou nos rios amazônicos: o tráfego de navios reduziu-se, as embarcações se retiraram e os empreendimentos do setor de transporte que insistiram em permanecer foram subutilizados, devido ao alto custo de operação e manutenção, ficando ancorados nos portos.

Agnello Bittencourt, em Bacia Amazônica (1957), destaca que até mesmo os navios vindos do Sul do país deixaram de aportar em Manaus-AM. Sem subsídios do governo e sem cargas de retorno, passaram a realizar sua última parada na cidade de Belém-PA. O fim da Batalha da Borracha resultou em um novo esvaziamento do interior amazônico — tanto no aspecto demográfico quanto nas políticas econômicas e de desenvolvimento por parte do Estado brasileiro — e, consequentemente, das fronteiras do Norte do Brasil.

Ao fim do segundo período da economia da borracha, houve uma espécie de "descaminho das políticas governamentais" para a Amazônia. A região, que fora vista como uma grande reserva de mercado desde o período colonial, passou a viver dos resultados de novos ciclos econômicos — nunca comparáveis à economia da borracha — como a economia das fibras (juta e malva) e da pesca, setores da socioeconomia amazônica que passaram a ser as novas fontes de colonização da região.

No próximo editorial, faremos um apanhado das heranças deixadas pela dinâmica social e econômica após passados quase 80 anos de economia da borracha na Amazônia e como esse movimento contribuiu para a criação da política de desenvolvimento regional mais duradoura e promissora do Norte do Brasil, a Zona Franca de Manaus.

No próximo editorial, faremos um apanhado das heranças deixadas pela dinâmica social e econômica da da borracha na Amazônia, nos quase 80 anos de sua existência, e como esse movimento contribuiu para a criação da política de desenvolvimento regional mais duradoura e promissora do Norte do Brasil: a Zona Franca de Manaus.

 

Marcelo Souza Pereira, é Economista, Especialista em Gerência Financeira, Mestre em Desenvolvimento Regional, Doutor em Sustentabilidade na Amazônia. É ex-superintendente da SUFRAMA e servidor público cedido à Câmara Federal.

 

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