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Especialistas contestam acusação dos EUA de que Venezuela seria um "Narcoestado"

Acusação, usada para justificar ameaças militares, é considerada exagerada e imprecisa por analistas, que apontam falta de evidências


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© Reuters/Gaby Oraa/Proibida reprodução

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Especialistas entrevistados pela Agência Brasil contestam a classificação da Venezuela como um narcoestado, acusação feita pelos Estados Unidos para justificar ameaças militares contra o país. Eles argumentam que o termo é impreciso e não reflete a realidade do crime organizado no país.

Para a consultora sênior da União Europeia para Políticas sobre Drogas na América Latina e Caribe, a advogada Gabriela de Luca, o uso do termo é exagerado. "O que se sabe, com base em investigações sérias, é que existem sim militares e autoridades envolvidos em esquemas de tráfico, principalmente em áreas de fronteira. Mas não há provas de que exista uma estrutura centralizada, comandada pelo governo, que coloque o Estado a serviço do narcotráfico", disse.

As declarações ocorrem após o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, afirmar durante visita ao Paraguai que o governo venezuelano "é um grupo que está operando em águas internacionais simplesmente exportando para os EUA veneno" e classificou o regime de Nicolás Maduro como "uma organização criminosa".

Gabriela de Luca também questionou a existência do "Cartel de los Soles" como uma organização única e centralizada, tal como descrita pelas autoridades norte-americanas. "O que há são redes difusas, envolvendo militares e ex-militares, e alguns políticos, que facilitam o tráfico em determinadas regiões", acrescentou.

O ex-oficial de Inteligência dos EUA para América Latina, professor Fulton Armstrong, também levantou dúvidas sobre as acusações. "A maioria das drogas nunca passou pela Venezuela. O chamado Cartel de los Soles está sendo alardeado nos documentos de indiciamentos. Nenhum analista sério que eu conheça fora do governo diria que existe tal cartel", explicou.

Medidas Ineficientes e Críticas à Postura dos EUA

O coronel da reserva da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMRJ) Robson Rodrigues, doutor em ciências sociais, concorda que o grupo não tem o protagonismo alegado pelos EUA. "As atividades criminosas dessas facções estão superestimadas. Não tenho convicção de sustentar essa hipótese de narcoestado", comentou.

Para ele, o envio de navios de guerra e militares à costa venezuelana não é uma medida eficiente para combater o narcotráfico. Rodrigues afirmou que, para combater o problema, seria necessário um trabalho de inteligência em parceria com os países da região, o que não ocorre. "Se [os EUA] quisessem resolver, a primeira coisa que teria que fazer é deixar de abastecer essas organizações com armas, como faz, direta ou indiretamente", afirmou.

O coronel também ponderou que o envolvimento de autoridades estatais com o narcotráfico é registrado em diversos países, incluindo os próprios Estados Unidos.

Dados e Posições Internacionais Contrapõem Acusações

O centro de pesquisa Washington Office on Latin America (WOLA) avaliou, com base em dados antidrogas dos EUA, que o papel da Venezuela no comércio mundial de drogas é frequentemente exagerado. A organização afirmou que a escala do tráfico transnacional pela Venezuela "é frequentemente exagerada, alimentando uma cobertura sensacionalista e imprecisa da mídia".

Gabriela de Luca informou que a Venezuela não é uma produtora relevante de drogas, mas sim uma rota de passagem. "Estimativas sérias falam em algo entre 7% e 13% da cocaína mundial passando por território ou águas venezuelanas. Ou seja: não é irrelevante, mas também não é o grande centro do mercado global", avaliou.


Os relatórios mais recentes da Agência das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC) e da União Europeia, ambos de 2025, citam Colômbia, Bolívia e Peru como grandes produtores, sem referências diretas à Venezuela como um ator central no mercado global de cocaína.

A acusação de que a cúpula do poder venezuelano estaria envolvida com o narcotráfico foi feita pela primeira vez em 2020, no contexto da política de "máxima pressão" do então presidente Donald Trump para derrubar o governo Maduro. Recentemente, a fiscal geral dos EUA, Pamela Bondi, anunciou o aumento para US$ 50 milhões da recompensa por informações que levem à prisão de Maduro, acusando-o de ser "um dos maiores narcotraficantes do mundo".

Entretanto, a presidente do México, Claudia Sheinbaum, declarou que as autoridades do país não possuem evidências que liguem Maduro ao Cartel de Sinaloa, contrariando as alegações norte-americanas.

Tensões na América Latina

As ameaças do governo Trump trouxeram tensões para a região, reacendendo o temor de uma intervenção direta dos EUA. Autoridades latino-americanas, incluindo a presidente mexicana e o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, têm criticado as medidas e defendido a cooperação regional sem violação da soberania dos países.

"Não é preciso classificar organizações criminosas como terroristas nem violar a soberania alheia para combater o crime organizado. Só conseguiremos deter as redes criminosas que se espalharam pela América do Sul agindo juntos", disse Lula.

Portal SGC com informações da Agência Brasil

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