Márcio Menacho entrando na Arena do Bumbódromo para apresentação
Foto: Janaina Menacho, viuva de Márcio/Arquivo Pessoal
O Bumbódromo em Guajará-Mirim, onde ocorre o tradicional Duelo na Fronteira, homenageia Márcio Paz Menacho, de 45 anos, pai, marido, professor, amigo e talentoso multi-instrumentista. Antes mesmo do Duelo na Fronteira existir, Márcio foi músico do Boi-bumbá Flor do Campo, conquistando respeito e admiração na cultura guajará-mirense.
Em 2016, uma tragédia marcou sua história: dois dias antes da 20ª edição do Duelo na Fronteira, Márcio faleceu durante um assalto em sua própria casa, localizada próxima ao bumbódromo. Naquele mesmo ano, o palco que ele tanto valorizava e ao qual se dedicou com paixão passou a se chamar Bumbódromo Márcio Paz Menacho, preservando sua memória e simbolizando sua contribuição para a cultura local.
Márcio Menacho era amplamente reconhecido e respeitado por todas as atividades que desempenhava. Entre os amigos, um dos jargões mais conhecidos era "É o preço da fama", uma expressão que ele costumava brincar, sempre com bom humor, refletindo sua personalidade descontraída e espirituosa. Sua memória será eternamente preservada naqueles que o conheceram e em tudo o que ele fez.
Quem é Márcio Menacho?
Márcio Menacho na Arena do Bumbódromo durante o Duelo na Fronteira — Foto: Fernando Oliveira
Márcio Paz Menacho nasceu em Guajará-Mirim (RO), em 3 de maio de 1971, em uma família de 11 filhos. Seus pais, Delfina Paz Menacho e Jesus Menacho Silva, eram empresários no ramo da fotografia e parte importante da Pérola do Mamoré.
Aos 21 anos, em 12 de dezembro de 1992, Márcio se casou com Janaina das Dores Elias Menacho, com quem formou uma linda família com três filhos: Márcio Matheus Elias Menacho, Marina Cristina Elias Menacho e Murilo Gabriel Elias Menacho. Com a esposa, construiu uma base familiar sólida, marcada pela união e pelo apoio mútuo.
Paixão pela música e pelo Boi-bumbá Flor do Campo
Foto: Arquivo Pessoal de Janaina Menacho
Márcio, um autodidata apaixonado pela música, nunca teve aulas de partitura ou canto, mas desenvolveu um talento notável. Aprendeu a tocar e cantar "de ouvido" e se tornou habilidoso em diversos instrumentos, como violão, teclado, contrabaixo, bateria e guitarra. Sua vocação musical parecia estar no sangue: o pai, Jesus Menacho Silva, tocava em um trio musical em festas de aniversário na juventude.
A trajetória musical de Márcio começou por volta dos 15 anos, ao lado do irmão Sandro Paz Menacho e dos amigos Marcos, Ulisses e Waldemir, com quem formou a "Banda Jovem Som". O grupo se tornou uma sensação em Guajará-Mirim, trazendo alegria para o público local. Em 1989, Márcio fundou a "Banda Cover" junto aos irmãos Sandro e Fredy e ao amigo Marcos, que posteriormente teve outros integrantes, como Charbel, Rick, Denis e Bena.
Márcio Menacho ao lado do irmão Sandro Menacho — Foto: Arquivo Pessoal de Janaina Menacho
Em 2014, Márcio celebrou os 25 anos da Banda Cover com os integrantes que marcaram essa história, reafirmando seu vínculo com a música e sua importância no cenário artístico local. Sua paixão pelo Boi-bumbá Flor do Campo também fazia parte dessa dedicação à cultura, expressando-se de forma intensa na música e nas tradições que cultivava com orgulho.
Márcio Menacho ingressou no Boi-bumbá de Guajará-Mirim antes mesmo do tradicional Festival Folclórico "Duelo na Fronteira" surgir. Em 1995, passou a ser músico do Boi Flor do Campo, e, embora tenha feito uma breve passagem pelo Boi Malhadinho em 1998, retornou ao Flor do Campo no ano seguinte, onde permaneceu até o fim da vida.
No festival, Márcio atuava como tecladista e maestro da banda do Boi-bumbá Flor do Campo. Sob sua liderança, conduzia os arranjos e notas musicais com competência, tanto nos ensaios quanto nas apresentações. Sua experiência e talento em múltiplos instrumentos tornavam as toadas do Flor do Campo especialmente emocionante, tocando o público e os jurados com sua autenticidade e qualidade musical.
Além de ser instrumentista, Márcio foi também compositor de toadas, trazendo um estilo único que marcou o som da agremiação. Ele levou essa paixão além das fronteiras de Rondônia, apresentando-se em Brasília e Natal com outros integrantes do Boi-bumbá Flor do Campo, ampliando o alcance da toada e fortalecendo a cultura de Guajará-Mirim no cenário nacional.
Banda Cover e a devoção musical na igreja
Márcio Menacho, fez Jesus em peça teatral durante programação da Sexta-feira Santa da Igreja Católica — Foto: Janaina Menacho/Arquivo Pessoal
A trajetória da Banda Cover, criada por Márcio Menacho e seus irmãos, ultrapassou fronteiras, realizando apresentações não só em Guajará-Mirim, mas também em cidades como Nova Mamoré, Porto Velho e na Bolívia, em localidades como Guayaramerin, Trinidad e Riberalta. Em 2019, a família de Márcio - irmãos, esposa e filhos - celebrou o legado do músico com uma homenagem emocionante chamada "Tributo a Márcio Paz Menacho", marcando os 30 anos da Banda Cover em memória de sua contribuição musical e presença marcante.
Além das apresentações com a Banda Cover, Márcio também dedicou seu talento à comunidade católica. Aos sábados, ele tocava violão no "Coral dos Anjos" da Comunidade Cristo Redentor, onde atuava com amigos e fiéis. Seu envolvimento nas igrejas de Guajará-Mirim foi expressivo, tendo participado em celebrações nas igrejas Nossa Senhora do Seringueiro, Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, São Francisco e Santa Clara. Márcio compartilhava seu dom musical com devoção, fortalecendo a espiritualidade de amigos, familiares e comunidade.
Compromisso com a educação e trajetória profissional
Márcio Menacho, formado em escolas públicas, concluiu o ensino médio com formação técnica em Administração pela Escola Simon Bolívar. Em busca de aprofundar seu conhecimento, graduou-se em Letras pela Universidade Federal de Rondônia, campus Guajará-Mirim. Essa formação consolidou seu compromisso com a educação e contribuiu para o desenvolvimento cultural da cidade.
Sua trajetória profissional começou em uma locadora de vídeo, mas em 1991, após aprovação em concurso público, assumiu o cargo de agente administrativo na Prefeitura Municipal de Guajará-Mirim, onde trabalhou com dedicação.
Fluente em espanhol, aprendizado herdado de sua família e posteriormente reforçado por sua formação em Letras, Márcio também atuou como professor de espanhol em duas escolas particulares de Guajará-Mirim. Admirado por seus alunos, deixou um legado como educador atento e comprometido, inspirando as gerações que tiveram a oportunidade de aprender com ele.
Noite do crime
Por volta das 18h, no dia 5 de outubro de 2016, há dois dias do Duelo na Fronteira, aonde iria se apresentar, Márcio foi abordado por um criminoso identificado como Américo Carneiro de Souza Neto, de 22 anos, na época do crime. Américo estava armado, invadiu a casa do músico e anunciou o assalto.
Durante o roubo, Márcio foi baleado e morreu no local. Tudo foi presenciado pela esposa e pelo filho do casal, que estavam na sala no momento do crime. Em seguida o bandido fugiu do local com a moto da família.
Por volta das 19h30, cerca de 300 populares se aglomeraram em frente à Delegacia Regional de Polícia Civil para protestar contra a morte de Márcio e pedir justiça. A multidão ficou no local por cerca de uma hora e meia aguardando notícias sobre o caso.
As Polícias Civil e Militar fizeram um cordão de isolamento por precaução, para evitar uma possível invasão no prédio. O clima entre manifestantes e policiais ficou tenso, mas não houve nenhum confronto.
No dia seguinte, em 6 de outubro de 2016, as Polícias Civil e Militar convocaram uma entrevista coletiva para comunicar a prisão de Américo Carneiro de Souza Neto, que confessou ter atirado no músico e roubado a motocicleta da família no início da noite anterior. Com ele, os policiais encontraram a arma usada no latrocínio e também conseguiram recuperar o veículo roubado.
A polícia contou que Américo foi preso em flagrante e encaminhado para a Delegacia de Polícia Civil de Nova Mamoré (RO), a cerca de 40 quilômetros de Guajará-Mirim, para evitar um possível linchamento. O processo judicial em torno da morte de Márcio Menacho começou no dia 18 de novembro de 2016, quando a justiça começou a ouvir as testemunhas do crime. Após dois meses de apuração, em 12 de dezembro do mesmo ano, Américo Carneiro de Souza Neto foi julgado e condenado a 30 anos de prisão, em regime fechado, pela morte do músico e educador.
Homenagem para Márcio Menacho
Foto: Arquivo Pessoal de Janaina Menacho
Após o falecimento, as duas agremiações folclóricas da Pérola do Mamoré, Flor do Campo e Malhadinho, prestaram uma homenagem a Márcio, dois dias após sua morte, quando ele estaria se apresentando mais uma vez com sua banda no tradicional Duelo na Fronteira.
Em decorrência do trágico falecimento de Márcio Menacho, a competição do Duelo na Fronteira foi cancelada, mas as apresentações dos bois Flor do Campo e Malhadinho continuaram. Durante as exibições, as duas agremiações deixaram de lado a rivalidade característica do evento e prestaram emocionantes homenagens a Márcio, refletindo o respeito e a admiração que ele conquistou ao longo de sua vida. Ao longo de toda a apresentação, a memória de Márcio foi celebrada, com toadas e gestos que simbolizavam sua importância para a cultura local e sua contribuição para o Boi-bumbá de Guajará-Mirim.
Na emocionante 20ª edição do Duelo na Fronteira, os bois-bumbás Flor do Campo e Malhadinho prestaram tributos especiais a Márcio Menacho, cuja presença marcante na arena e na vida cultural da cidade permanece inesquecível. Durante a apresentação do Boi Flor do Campo, o teclado que Márcio costumava tocar foi colocado no centro da arena, cercado pelo simbolismo de uma alegoria representando uma arara, que "voou" em direção ao teclado antes de descer um banner com uma imagem dele. O teclado e o banner permaneceram no Bumbódromo durante toda a exibição, como uma lembrança viva de seu talento e paixão pela arte.
Em seguida, o Boi Malhadinho entrou em cena com um tuxaua que trazia, estampado no peito, o rosto de Márcio acompanhado de sua frase icônica, "É o preço da fama." Como parte da homenagem, a imagem de Márcio foi incorporada ao símbolo principal do boi de pano, selando sua importância e legado na memória da comunidade. A celebração das suas contribuições ressoou entre os participantes e o público, que puderam sentir, mais uma vez, a presença de Márcio entre eles.
A cidade fez questão de homenageá-lo de forma carinhosa, e o Bumbódromo, onde se realizam as apresentações dos Bumbás, passou a se chamar "Bumbódromo Márcio Paz Menacho", perpetuando seu nome e sua contribuição para a cultura local. Márcio deixou uma marca profunda e inesquecível, permanecendo vivo na memória da cidade e no coração de todos que o amam. Sua ausência é sentida, mas o legado que construiu continua a inspirar e conectar aqueles que tiveram o privilégio de conhecê-lo.
Segurando o banner, da esquerda para a direita, Murilo Gabriel Elias Menacho e Marina Cristina Elias Menacho, filho e filha de Márcio Menacho.
Fabiano do Carmo - Portal SGC