Reforma Tributária: O Fim dos incentivos e o risco de colapso econômico em Rondônia
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A Ciclo Cairu, uma das maiores indústrias de Rondônia, enfrenta um futuro incerto com a reforma tributária. Mesmo com raízes profundas no estado, a empresa já está abrindo uma unidade em Manaus e, diante das mudanças fiscais, pode ser forçada a migrar para a Zona Franca. Essa possível saída representaria um grande impacto econômico para Rondônia, com perda de empregos e arrecadação, afetando diretamente Pimenta Bueno e todo o estado. Apesar da paixão dos sócios por Rondônia, a nova realidade tributária pode tornar inviável a permanência da empresa no estado.
A Reforma Tributária aprovada no Brasil pela Emenda Constitucional nº 32/2023 tem como um de seus principais objetivos a simplificação do sistema tributário, eliminando incentivos regionais e, com isso, propondo encerrar a chamada "guerra fiscal" entre os Estados. No entanto, essa mudança estrutural pode gerar impactos desastrosos para os Estados da Região Norte, especialmente Rondônia, que, sem os incentivos fiscais, enfrentará graves dificuldades para manter sua competitividade econômica no cenário nacional.
1. A IMPORTÂNCIA DA EXTRAFISCALIDADE PARA O NORTE
O princípio da extrafiscalidade tem sido o grande motor do desenvolvimento da Amazônia Ocidental, diferentemente de outras regiões do país, que conseguiram crescer com base em outros fatores, como infraestrutura, acesso ao mar e industrialização. Desde 1912 , após a crise da borracha, ficou evidente que o Norte precisava de mecanismos especiais de estímulo econômico para se desenvolver, mecanismo este que foi inaugurado pela Constituição de 1946 ao prever que parte das Receitas auferidas pela União seriam dedicadas à valorização econômica da Amazônia.
A estratégia adotada pelo governo federal ao longo das décadas não foi arrecadar mais impostos, mas sim abrir mão da tributação para atrair investimentos e incentivar o desenvolvimento econômico da região. Isso gerou um conjunto de políticas tributárias diferenciadas, incluindo:
Mesmo com esses incentivos, a Amazônia Ocidental representa menos de 4% da população brasileira e ainda sofre com dificuldades estruturais severas, incluindo problemas logísticos, ausência de rodovias adequadas, custo elevado de insumos e acesso limitado ao mercado consumidor.
2. RONDÔNIA: A PECULIARIDADE DE UM ESTADO PRODUTIVO
Dentre os Estados do Norte, Rondônia se destaca como um dos mais produtivos, principalmente devido à sua forte base agropecuária e ao setor de serviços que vem crescendo nos últimos anos. No entanto, esse desenvolvimento só foi possível devido a políticas de incentivos fiscais, que ajudaram a atrair investimentos e a compensar as dificuldades logísticas da região.
Diferentemente do Nordeste, que possui portos marítimos e facilidade de escoamento, a Amazônia Ocidental enfrenta obstáculos significativos para competir em igualdade de condições com os demais Estados. Rondônia, especificamente, sofre com o alto custo de transporte, devido à sua localização e à precariedade das vias de escoamento. O preço dos insumos básicos para a produção industrial e agropecuária é muito maior em relação ao restante do país.
Sem os incentivos fiscais, Rondônia será colocada para competir diretamente com Estados do Sul e Sudeste, que possuem infraestrutura consolidada, acesso a mercados consumidores e menores custos operacionais. A eliminação desses incentivos equivale a retirar as muletas de um corredor que ainda está aprendendo a andar, forçando-o a competir em uma maratona contra atletas já treinados.
3. IMPACTO DA REFORMA TRIBUTÁRIA PARA RONDÔNIA
A proposta da Reforma Tributária prevê a unificação de tributos, eliminando todos os incentivos fiscais regionais do estado (exceto para Guajará-Mirim que é uma Área de Livre Comércio) criando um sistema tributário menos complexo. Mas, na prática, isso significa que Rondônia perderá todos os instrumentos que garantiam sua competitividade, gerando impactos significativos, tais como:
3.1. Aumento do Custo de Produção
3.2. Êxodo de Empresas e Desindustrialização
3.3. Redução na Arrecadação e No Desenvolvimento Regional
3.4. Desigualdade Regional Acentuada
4. UMA REGIÃO SEM COMPETITIVIDADE NO CENÁRIO NACIONAL
Ao retirar os benefícios fiscais de Rondônia e colocá-lo para competir sem nenhuma compensação contra Estados como São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, o governo estará essencialmente decretando o sufocamento econômico do Estado.
A analogia com o Esporte Clube de Ji- Paraná disputando a Série A do Campeonato Brasileiro é perfeita. Rondônia não tem estrutura para competir de igual para igual com Estados que possuem portos, ferrovias, rodovias de alta qualidade, acesso facilitado ao mercado internacional e menores custos logísticos.
Se a Reforma Tributária for implementada sem ajustes que garantam tratamento diferenciado para a Região Norte, o futuro econômico de Rondônia será comprometido, resultando em perda de investimentos, aumento do desemprego e desaceleração do crescimento do Estado.
5. SOLUÇÕES POSSÍVEIS
Diante da iminente ameaça que a Reforma Tributária representa para o desenvolvimento de Rondônia, é essencial que medidas sejam implementadas para mitigar os impactos negativos e garantir a continuidade do crescimento econômico do Estado. As diretrizes fundamentais que devem ser perseguidas para evitar o colapso da economia regional, destacam-se:
1. Ampliação das áreas geográficas das Áreas de Livre Comércio (ALCs) - Atualmente, as ALCs de Rondônia possuem uma delimitação extremamente restrita (83 km²), enquanto outras regiões da Amazônia Ocidental possuem territórios incentivados expressivamente maiores (10.600 km² em Roraima e 8.100 km² no Amapá). É fundamental expandir essas áreas para garantir um desenvolvimento econômico mais abrangente.
2. Regulamentação dos Fundos Constitucionais da Amazônia Ocidental - A Emenda Constitucional nº 132, de 2023, instituiu dois fundos essenciais para o desenvolvimento regional: Fundo de Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Ocidental e do Amapá. A cobrança pela implementação efetiva desse fundo deve ser uma prioridade, pois representam um meio crucial para diversificação econômica e atração de investimentos para a região.
3. Revisão da Lista Negativa das ALCs e retirada da restrição à industrialização somente com matéria-prima regional - Atualmente, há restrições adicionais que impõem barreiras desnecessárias ao desenvolvimento industrial e comercial das Áreas de Livre Comércio. É necessário ajustar essa lista negativa (produtos que não podem ser produzidos em Guajará-Mirim), bem como permitir que outros produtos, além de somente aqueles produzidos com matéria-prima regional, possam ser industrializados naquela ALCA, pois assim Rondônia poderia incentivar que as atuais plantas industriais migrem para Guajará-Mirim para permitir maior competitividade, manutenção dos empregos e, consequentemente, consumo e arrecadação ao estado e para aquele município.
4. Tratamento Justo ao Produto Nacionalizado - A legislação atual não prevê uma equiparação adequada ao Produto Nacionalizado, criando distorções tributárias que prejudicam a competitividade do setor produtivo de Rondônia. A adequação à Cláusula do GATT garantiria uma concorrência mais justa.
5. Possibilidade de Compensação dos Créditos Presumidos de IBS e CBS em Dinheiro ou compensação mais ampla - Esse pleito, até agora negado, precisa ser retomado para assegurar que empresas instaladas nas ALCs tenham condições reais de usufruir dos incentivos concedidos pela legislação ou poder compensar os créditos para descontar em outros tributos porventura devidos.
Além dessas medidas propostas, dois fatores fundamentais colocam Rondônia em uma posição de destaque no cenário nacional e não podem ser ignorados na formulação de políticas tributárias para a região:
Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE)
Rondônia foi pioneira na implementação do ZEE, um instrumento de planejamento territorial que concilia desenvolvimento econômico e preservação ambiental. Porém o ZEE de Rondônia precisa ser revisto imediatamente para estabelecer regras claras para o uso do solo, garantindo que as atividades produtivas no Estado sigam padrões de sustentabilidade e responsabilidade ecológica.
Este fator deveria ser reconhecido e valorizado na Reforma Tributária, garantindo que Rondônia continue recebendo incentivos para estimular a produção sustentável, o manejo florestal responsável e o desenvolvimento equilibrado da região.
Rastreabilidade dos Produtos
Outro diferencial competitivo de Rondônia é o sistema de rastreabilidade dos produtos agropecuários, especialmente na cadeia da carne. O Estado possui um dos sistemas mais avançados do país, garantindo que sua produção atenda a critérios rígidos de qualidade e sustentabilidade, atendendo exigências dos mercados internacionais.
Esse diferencial deveria ser reconhecido na política tributária, permitindo incentivos específicos para os produtores que adotam boas práticas de rastreabilidade, fortalecendo a imagem de Rondônia como um Estado que alia produção de alta qualidade com responsabilidade socioambiental.
Conclusão
A Reforma Tributária não pode ser aplicada de forma cega e homogênea, ignorando as especificidades regionais. No caso de Rondônia, a manutenção e a ampliação dos incentivos fiscais são essenciais para evitar a estagnação econômica e garantir a continuidade do crescimento do Estado. A defesa dos interesses de Rondônia deve estar pautada na valorização de seus diferenciais competitivos, como o Zoneamento Ecológico-Econômico e a Rastreabilidade dos Produtos, além da implementação das medidas já propostas ao Congresso Nacional.
O princípio da isonomia, celebrado pela Constituição do Brasil, garantiu tratamento igual para os iguais e diferenciado para os desiguais, na medida de suas desigualdades, o que reflete o ideal de tratamento de cada caso com a atenção necessária às suas particularidades. O futuro econômico de Rondônia depende de decisões políticas conscientes e estratégicas. Se o governo federal deseja uma reforma que promova equidade entre os Estados, precisa reconhecer que o Norte do país não pode ser tratado da mesma forma que as regiões Sul e Sudeste, sob pena de condenar Rondônia ao retrocesso econômico.
Liomar Carvalho
Presidente da Associação Comercial e Industrial de Ji-Paraná - ACIJIP
Assessoria