Rondônia

MPF participa de reuniões preparatórias para escuta de indígenas sobre mineração, em Porto Velho

Órgão defendeu escuta com os Cinta Larga e mostrou preocupação sobre precedente que futura decisão trará sobre garimpo em áreas indígenas


Imagem de Capa

Divulgação

PUBLICIDADE

O Ministério Público Federal (MPF) participou de reuniões técnicas promovidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em Porto Velho (RO), na terça e na quarta-feira (22 e 23), a respeito da possibilidade de mineração no entorno da Terra Indígena Cinta Larga. Também estavam presentes indígenas representantes de aldeias da etnia em Rondônia e Mato Grosso. As reuniões serviram como preparação para realização de uma escuta aos indígenas nas suas aldeias, uma ação inédita no STF. Pela primeira vez, povos originários serão ouvidos em seu próprio território no curso de um processo judicial no Supremo. A data da escuta ainda não está definida, mas a previsão é que ocorra em setembro deste ano.

Durante as reuniões, o MPF defendeu que os indígenas devem decidir o formato da escuta, de acordo com a representatividade que entendem adequada. Na quarta-feira, os indígenas decidiram que a escuta deve ser ampla e abranger o maior número possível de pessoas. A etnia Cinta Larga possui cerca de dois mil integrantes em 60 aldeias cadastradas. O avanço do garimpo ilegal de diamante e ouro tem aumentado a degradação do meio ambiente e afetado a forma de vida dos indígenas.

A determinação de realizar as reuniões partiu do ministro Flávio Dino, relator do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1425370. A disputa judicial começou em 2005, quando o MPF ingressou com ação pedindo o cancelamento das permissões de lavras de recursos minerais dentro e no entorno da Terra Indígena Roosevelt. No processo, a Agência Nacional de Mineração (ANM) questiona decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que cancelou as permissões de lavras de recursos minerais e impediu a concessão de novas permissões no entorno das terras indígenas Cinta Larga.

Decisão abrirá precedente - A procuradora da República Caroline de Fátima Helpa, que representou o procurador-geral da República no encontro, com o intuito de contribuir para a formatação da escuta a ser realizada pelo STF no território, apresentou dados dos laudos antropológicos produzidos sobre a etnia Cinta Larga, ao longo dos anos, pelos peritos do MPF. O objetivo, sobretudo, é que se possa compreender a representatividade daquela comunidade, pela visão dos indígenas.

Caroline Helpa enfatizou que os problemas narrados na ação civil pública movida pelo MPF em 2005, infelizmente, ainda são contemporâneos e que pouco se avançou na efetivação de direitos para a comunidade Cinta Larga, repetidamente exposta à desesperança, apesar da riqueza do seu território. Ela ressaltou a necessidade de clareza quanto ao objeto da escuta e que os indígenas estejam suficientemente informados.

Ao povo Cinta Larga, a procuradora explicou que o fundamento da decisão que proíbe a exploração no entorno da terra indígena é a compreensão de que os territórios também compõem o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Caroline Helpa lembrou aos participantes que muitas etnias seguem sem demarcação em Rondônia e que os locais remanescentes, em sua maioria, coincidem com Unidades de Conservação. Ou seja, é necessário que o Estado proporcione condições de vida digna para os indígenas, com a consequente sustentabilidade ambiental.

Diante da possibilidade de o STF dar feição estrutural ao processo judicial, a procuradora solicitou aos Cinta Larga que reflitam como uma grande nação indígena, já que a decisão pode formar precedente para toda a sociedade indígena brasileira.

O procurador da República Reginaldo Trindade relatou as violências contra o povo Cinta Larga na região, cometidas há pelo menos 50 anos, resultado da "incompetência e desídia" do Estado brasileiro. "Vi garimpeiro casando com indígena adolescente ou anciã só para ter acesso ao garimpo. Isso fora entrada de armas, droga, álcool, falsos pastores", afirmou. "Tudo que não presta e que é terrível tem acontecido ali, e a única instituição que lucra com isso é o crime organizado". Trindade foi o autor da ação civil pública ajuizada em 2005 que deu origem à disputa judicial discutida agora pelo Supremo.

O procurador da República Leonardo Trevizani Caberlon, representante da Câmara Temática Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF) em Rondônia, solicitou que o STF, para a hipótese de medidas estruturais, considere haver um estado de coisas inconstitucional em relação aos indígenas no Brasil, ante as dificuldades de efetivação de políticas públicas nos territórios.

Também participaram das reuniões o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), representantes da Casa Civil da Presidência da República, do Ministério de Minas e Energia, da Advocacia-Geral da União, do Governo de Rondônia, do Tribunal de Justiça de Rondônia, do Ministério Público, da Defensoria Pública estadual, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e da Comissão Arns.

Há 20 anos - O caso teve início na Justiça em 2005, quando o MPF ajuizou ação civil pública contra o então Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), atual Agência Nacional de Mineração.

Em primeira instância, a Justiça Federal em Rondônia cancelou todas as autorizações de lavra ou de pesquisa mineral no interior das áreas habitadas pelos indígenas. Depois de recursos, o TRF1 ampliou a restrição para proibir a mineração no entorno dos territórios em um raio de 10 quilômetros.

Em 2023, o então relator do caso, ministro Luís Roberto Barroso, negou seguimento ao ARE apresentado pela ANM ao Supremo. Ele entendeu que há comprovação do dano e dos efeitos negativos do garimpo sobre a população indígena na área e que essas conclusões não podem ser revistas no recurso. Em seguida, a agência questionou a decisão individual por meio de agravo interno.

MPF

Mais lidas de Rondônia
Últimas notícias de Rondônia