Porto Velho é um microcosmo dos desafios e contradições que marcam o campo brasileiro, especialmente na Amazônia. O município, que se destaca pela vasta extensão territorial e posição estratégica na fronteira agrícola, tem sido palco recorrente de conflitos fundiários, pressões ambientais e tensões sociais que refletem tanto a história recente quanto as escolhas políticas e econômicas do país.
Dados do relatório "Conflitos no Campo Brasil 2024", produzido pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), a capital de Rondônia figura entre os municípios com maior número de registros de conflitos agrários no Brasil nos últimos anos. A expansão da fronteira agrícola, impulsionada por grandes projetos de infraestrutura, pecuária extensiva e monoculturas, tem intensificado disputas pela posse da terra, agravando a vulnerabilidade de comunidades tradicionais, povos indígenas e pequenos agricultores.
O contexto local é marcado por um processo histórico de ocupação desordenada, ausência de regularização fundiária e atuação limitada do Estado na mediação de interesses. Essa combinação favorece a concentração fundiária, o avanço de grilagens e a violência no campo, que se manifesta em ameaças, despejos forçados e, não raramente, em assassinatos de lideranças rurais. A CPT destaca que, em 2024, Porto Velho registrou episódios emblemáticos de resistência e repressão, evidenciando o ciclo de impunidade que ainda impera na região.
No entanto, seria reducionista enxergar Porto Velho apenas como cenário de conflito. O município também abriga experiências de organização social, resistência e busca por alternativas sustentáveis. Movimentos sociais, associações de pequenos produtores e comunidades indígenas têm articulado estratégias para defender seus territórios, promover a agroecologia e reivindicar políticas públicas de inclusão e proteção ambiental. Essas iniciativas, embora enfrentem obstáculos significativos, demonstram que há caminhos possíveis para um desenvolvimento mais justo e equilibrado.
O desafio central reside em construir uma governança fundiária capaz de garantir segurança jurídica, respeitar os direitos das populações tradicionais e promover a distribuição equitativa da terra. Isso exige do poder público uma atuação firme no combate à grilagem, na fiscalização ambiental e na implementação de programas de regularização fundiária que priorizem quem vive e trabalha na terra. Além disso, é fundamental fortalecer a participação social nos processos de decisão, assegurando que as vozes dos mais vulneráveis sejam ouvidas e respeitadas.
Outro aspecto crucial é o enfrentamento da violência no campo. A impunidade dos crimes agrários alimenta a perpetuação dos conflitos e mina a confiança nas instituições. Investigar, julgar e punir os responsáveis por ameaças e assassinatos de lideranças rurais não é apenas uma questão de justiça, mas um passo indispensável para a pacificação e o desenvolvimento sustentável da região.
Porto Velho, portanto, sintetiza os dilemas do campo brasileiro: de um lado, a pressão por crescimento econômico a qualquer custo; de outro, a necessidade de proteger vidas, culturas e o meio ambiente. O futuro do município — e da Amazônia como um todo — depende da capacidade de equilibrar esses interesses, reconhecendo que a terra deve ser fonte de vida, dignidade e justiça para todos. E não de morte.
Diário da Amazônia