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ZONA FRANCA E SUAS ORIGENS: As pessoas reagem a incentivos, o povoamento pela borracha

Em 1856, Manaus representava apenas 2,82% da população da província, mas em 1900 essa proporção ultrapassava 20%


No primeiro artigo desta coluna, destaquei a importância de compreender alguns pressupostos da teoria econômica para que pudéssemos analisar o impacto social e econômico da economia da borracha na Amazônia do século XIX. Para isso, expus um dos princípios formulados por Gregory Mankiw: "as pessoas reagem a incentivos". Aqui nos encontramos face a face com ele.

Assim como ocorreu em diversas partes do mundo, quando uma atividade econômica seduzia a população com promessas de lucro ou fortuna rápida — como garimpo, petróleo e minas de carvão — a Amazônia vivenciou a "febre do látex". Movidos por expectativas de enriquecimento, muitos abandonaram suas ocupações tradicionais em busca de oportunidades, o que trouxe ganhos para alguns, mas severas dificuldades para a maioria.

Nos anos iniciais da Província, em discurso à Assembleia Legislativa, Herculano Ferreira Pena (1854) afirmou: "toda a Província do Amazonas seria ainda hoje uma solidão se aqui não existissem os índios". Não entraremos na discussão sociológica sobre os povos tradicionais que habitavam densamente toda a região e foram secundarizados na narrativa histórica amazônica. No entanto, do ponto de vista imperial, o censo populacional indicava a escassez de mão de obra necessária para sustentar atividades econômicas e o aparato estatal. A população indígena foi a primeira a extrair látex, quando o produto ainda não tinha relevância estratégica no comércio exportador brasileiro. Porém, quando o valor econômico da borracha cresceu, os trabalhadores disponíveis se tornaram insuficientes para suprir a demanda.

Podemos identificar três grandes movimentos populacionais no século XIX:

• Migração intraestadual motivada pelo comércio fluvial: pessoas deixaram seus povoados e cidades para trabalhar nas canoas de regatão, seja como empregados ou empreendedores. O regatão foi o responsável por ativar o comércio fluvial antes do início da economia da borracha, com seus serviços de transportes e intercâmbio de mercadorias;

• Migração intraestadual voltada para os seringais e infraestrutura: as pessoas que permaneceram nas cidades e povoados, bem como os empregados das canoas de regatão, dirigiram-se para a floresta para: extrair látex; trabalhar como tripulante dos barcos a vapor; extrair lenha para combustível das embarcações; ou trabalhar nos barracões do seringal; e

• Migração interestadual impulsionada por incentivos governamentais: A Província adotou medidas para atrair trabalhadores de outras regiões do Brasil. Os contratos de concessão de navegação das Companhias de Navegação e Comércio do Amazonas (1853) e Fluvial do Alto Amazonas (1866) incluíam cláusulas que exigiam a criação de povoamentos à margem dos rios. Em 1876, a província estruturou um plano de imigração oferecendo terra, alimentos e moradia para quem se dedicasse à produção agrícola.

 

A borracha tornou-se a atividade predominante e o abandono de outras ocupações gerou diversos problemas:

• Pequenas fábricas que produziam bens essenciais foram desativadas, deixando a população sem alternativas de abastecimento;

• Os rebanhos foram dizimados, causando escassez de carne, leite e seus derivados;

• A produção agrícola sofreu um declínio, intensificando a dependência de importações;

• Obras públicas foram paralisadas, por não existir mão de obra à execução ou gestão;

 

Os esforços do governo não produziram os resultados específicos esperados, pois a maior parte dos imigrantes escolheu a extração de borracha em vez da agricultura. Como consequência, os comerciantes locais imediatamente absorveram essa força de trabalho em suas propriedades. Segundo Viana Moog, em sua obra de 1975 intitulada O ciclo do ouro negro, a migração para os seringais foi tão intensa que aqueles que não conseguiam vaga em embarcações acomodavam-se em alvarengas e canoas rebocadas pelos vapores. Ele descreve que "até mesmo o gado para o corte viajava com mais conforto que a gente embarcada para os seringais". Durante todo o primeiro período da economia da borracha (1860 a 1912), a Amazônia recebeu cerca de 300 mil imigrantes, a maioria cearenses que fugiam do flagelo da seca para cair noutro - o seringal.

Todavia, em termos gerais, houve certo atingimento das metas, pois a população de Manaus e Amazonas, que era de cerca de 1.200 e 42.000 habitantes em 1856, respectivamente, apresentou um crescimento vertiginoso, alcançando 50.000 e 250.000 habitantes em 1900, refletindo a pujança econômica impulsionada pela borracha (Figura 1).

 

Figura 1 - População (Amazonas Vs Manaus)


Fonte: Benchimol (1992) e Loureiro (2007)

 

Em 1856, Manaus representava apenas 2,82% da população da província, mas em 1900 essa proporção ultrapassava 20%, evidenciando duas tendências: 1) a atividade econômica se concentrava no interior; e 2) a oferta de postos de trabalho na administração pública e nas empresas que se estabeleceram para acompanhar o comércio gumífero, em terra ou e em água, sempre crescente, justificaram o aumento da população da capital.

Os reflexos desse movimento populacional e econômico moldaram profundamente a Amazônia, deixando marcas que ainda podem ser observadas. No próximo artigo, discutiremos as medidas tomadas para viabilizar a infraestrutura logística necessária para sustentar essa economia emergente.

 

 

Marcelo Souza Pereira, é Economista, Especialista em Gerência Financeira, Mestre em Desenvolvimento Regional,

Doutor em Sustentabilidade na Amazônia. É ex-superintendente da SUFRAMA e servidor público cedido à Câmara Federal.

 

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