Ao se depararem com a nova realidade — a perda do monopólio da borracha e da exclusividade em preço e fornecimento — tanto o Estado brasileiro quanto o empresariado local, assim como a população em geral, permaneceram por muito tempo atônitos diante do golpe sofrido. Ao longo de mais de 3 décadas tentaram, em vão, reencontrar o caminho da prosperidade.
As iniciativas do Estado brasileiro na tentativa de vencer a crise estabelecida
Diante do cenário de perda do monopólio da produção de borracha e da exclusão dos mercados europeus e norte-americanos, o Estado brasileiro adotou uma estratégia semelhante à do governo colonial britânico na Ásia. Este último, a partir de 1876, financiou estudos para o melhoramento genético da seringueira e sua adaptação fora do habitat original, visando ao cultivo racional.
Com base nessa referência, foi criada em 1912 a Superintendência de Defesa da Borracha, por meio do Decreto nº 9.521, de 17 de abril daquele ano. O objetivo era fomentar a produção de borracha na Amazônia e em outros estados brasileiros, por meio das seguintes medidas:
• incentivo ao cultivo e à extração;
• criação de indústrias com uso intensivo de borracha;
• assistência a imigrantes e estrangeiros destinados à Amazônia;
• subsídio ao transporte da borracha;
• estímulo à produção de gêneros alimentícios associados à produção de borracha;
• legalização da posse de terras dedicadas ao cultivo, inclusive no território do Acre;
• realização de exposições públicas sobre a indústria da borracha, de forma a promovê-la;
• concessão de incentivos fiscais e prêmios aos exportadores.
No entanto, o plano foi implementado com certo atraso. Os financiamentos britânicos nas colônias asiáticas só começaram a gerar resultados após cerca de três décadas — tratava-se de investimentos de longo prazo — enquanto o Brasil precisava de soluções imediatas para salvar os empreendimentos amazônicos. Além disso, os interesses financeiros globais já haviam migrado para a Ásia, o que tornava ineficazes as medidas brasileiras frente ao cenário consolidado em 1912. A tentativa de promover o cultivo racional da seringueira na Amazônia também fracassou, por diversos motivos: falta de experiência na domesticação de uma planta exótica; dependência de capitais públicos — e, por vezes, privados — para viabilizar os cultivos; e barreiras ecológicas, como a disseminação do mal-das-folhas que infestava os seringais nativos da Amazônia (Figura 1).
Figura 1 - Mal-das-folhas (Microcyclos ulei)
Fonte: Museu Paraense Emílio Goeldi. In: Castro et. al. (2009, p. 532)
As iniciativas do setor privado
Empresários locais e investidores estrangeiros, incentivados pelo governo brasileiro, lançaram-se ao cultivo da seringueira, acreditando que o habitat nativo, a proximidade dos mercados industriais e a maior familiaridade com a planta lhes proporcionariam vantagens competitivas em relação ao Oriente.
Grandes empresas do setor automobilístico — Ford, Michelin, Goodyear, Firestone e Pirelli — passaram a investir no cultivo da seringueira como forma de frear o cartel asiático, que impunha altos custos para o fornecimento da matéria-prima. Porém, apenas a Ford decidiu realizar o cultivo na Amazônia: em 1927, Henry Ford recebeu a concessão de terras às margens do rio Tapajós, no Pará, para o plantio de seringueiras, com isenção de impostos por 50 anos.
Para viabilizar a produção, Ford construiu uma cidade equipada com os principais serviços sociais — escola, ambulatório médico, posto de segurança, saneamento básico etc. — batizada de Fordlândia. No entanto, a área escolhida era pouco propícia ao cultivo da seringueira e, em caso de produção, não permitiria o escoamento do produto em parte do ano devido a descida das águas, o que levou à expansão do empreendimento, em 1934, para Belterra, também às margens do Tapajós. Essa nova área possuía melhores condições para o cultivo da hevea e permitia a chegada de navios cargueiros durante todo o ano, graças à profundidade do canal de navegação. Apesar do investimento superior a US$ 10,5 milhões, os resultados obtidos até o fim da década de 1930 foram modestos, especialmente se comparados aos seringais das concorrentes asiáticas.
Cosme Ferreira Filho, em sua obra Por que perdemos a batalha da borracha (1965), destacou que os empreendimentos locais voltados ao cultivo racional da seringueira se limitaram às iniciativas de colonos japoneses em Parintins, em 1931, e aos seus próprios esforços — como ferrenho defensor da borracha — ao plantar seringueiras, em 1935, em terras do atual bairro do Aleixo, em Manaus. Ele acreditava que, em curto prazo, o Brasil não seria capaz de atender à sua demanda interna por borracha.
Alternativas para a população, diante da crise
A população, que havia abandonado todas as demais atividades produtivas ao longo de três décadas para se dedicar exclusivamente à extração de látex, não encontrou, em curto prazo, ocupações capazes de garantir sua subsistência. Tratava-se de uma geração de mão de obra que não havia aprendido outro ofício além da sangria da seringueira. Gradativamente, os seringueiros foram se transformando em lavradores, passando a cultivar roçados de várzea, ao lado da população cabocla.
O período entre guerras na Amazônia (1918 - 1939) foi marcado pelo retorno às atividades poliextrativas — como castanha, madeira, piaçava, couros, além da borracha. Por meio dos regatões, esses produtos voltaram a ser comercializados, muitas vezes via escambo (troca direta), devido à escassez de dinheiro físico. Esse modelo de comércio remete à fase anterior à economia da borracha, revelando que o modo de vida e a economia amazônica retrocederam mais de meio século após a crise.
A castanha se mostrou a alternativa mais viável entre os produtos extrativos. Agnello Bittencourt, na obra Bacia Amazônica (1957), relata que testemunhou, em 1921, o intenso movimento humano durante a safra da castanha, quando grande número de trabalhadores descia o rio Purus para a coleta — inclusive vindos de países andinos — e, após os negócios concluídos, desmontavam os acampamentos, tomavam suas embarcações e subiam o rio para retornar às suas casas. O relato mostra a extensão do deslocamento humano pela bacia amazônica, motivado pela crise que atingiu a região.
Apesar de a coleta da castanha gerar algum recurso para sobrevivência, era uma atividade sazonal e insuficiente para justificar, por exemplo, os altos custos dos serviços exclusivos de navegação que, no passado, apenas a borracha conseguia sustentar.
O fato é que nenhuma das medidas — governamentais ou privadas — conseguiu reverter a crise da economia da borracha na Amazônia. Os prejuízos se acumulavam para aqueles que insistiam na produção, e as consequências sociais afetavam tanto a população quanto os empresários locais. Inclusive o setor de transporte precisou se reinventar para continuar ativo nas águas da bacia amazônica. No próximo editorial, abordaremos o impacto da crise da borracha no setor de transportes da região.
Marcelo Souza Pereira, é Economista, Especialista em Gerência Financeira, Mestre em Desenvolvimento Regional, Doutor em Sustentabilidade na Amazônia. É ex-superintendente da SUFRAMA e servidor público cedido à Câmara Federal.
Referências citadas:
CASTRO, Anna Raquel de Matos; SANJAD, Nelson; ROMEIRO, Doralice dos Santos. Da pátria da seringueira à borracha de plantação: Jacques Huber e seus estudos sobre a cultura das heveas no oriente (1911-1912). In: Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. v. 4. n. 3. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2009.
FERREIRA FILHO, Cosme. Porque perdemos a batalha da borracha. Manaus: Governo do Estado do Amazonas, 1965.
BITTENCOURT, Agnello. Bacia amazônica: vias de comunicação e meios de transporte. Rio de Janeiro: Inpa, 1957.
BENCHIMOL, Samuel. Navegação e transporte na Amazônia. Manaus: Edição Reprográfica, 1995.
BRASIL. Decreto nº 9.521, de 17 de Abril de 1912. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1910-1919/decreto-9521-17-abril-1912-528099-republicacao-100546-pe.html. Acesso em: 17 jul 2025.