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Vitória contra a fome é parcial quando milhões seguem sem acesso à alimentação

Confira o editorial


O anúncio da saída do Brasil do Mapa da Fome, divulgado recentemente pela ONU (Organização das Nações Unidas), é uma notícia de inegável relevância e traz alívio à sociedade. O índice de risco de subalimentação caiu para menos de 2,5% da população, marca que retira o país da lista dos que convivem com a fome estrutural. Trata-se de uma conquista importante, fruto de políticas públicas, esforços da sociedade civil e um contexto econômico que, apesar de desafios, permitiu avanços. No entanto, é fundamental evitar qualquer euforia desmedida ou sensação de missão cumprida.

O Brasil já havia conquistado esse feito em 2014, mas voltou à categoria de país com fome em 2020, após retrocessos no enfrentamento da insegurança alimentar sob o governo Bolsonaro. Ou seja, trata-se de uma vitória que exige vigilância contínua, pois a volta ao Mapa da Fome demonstrou a fragilidade das conquistas quando não há políticas sustentáveis e consistentes.

Apesar de não haver escassez de alimentos no Brasil, milhões de pessoas ainda enfrentam dificuldades para garantir refeições diárias. Segundo a ONU, 35 milhões de brasileiros vivem em situação de insegurança alimentar, quadro que vai além da fome extrema e inclui a redução da qualidade e da quantidade dos alimentos, com impacto direto na saúde e no desenvolvimento humano. Em casos mais graves, há relatos de famílias que passam um dia inteiro, ou mais, sem conseguir comer.

A raiz do problema, segundo especialistas, não está na produção, mas no acesso. O país é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, mas enfrenta um desafio de distribuição de renda. O desemprego caiu, mas o aumento do custo dos alimentos reduz o poder de compra das famílias mais vulneráveis. Há também quem levante a necessidade de reequilibrar a balança entre exportação e abastecimento interno, ressaltando que parte significativa da produção é destinada ao mercado externo. Por outro lado, há quem defenda que o modelo produtivo atual atende às demandas internas e externas, e que o aumento da produção, por si só, não resolve o problema da fome.

Outro ponto de atenção são as mudanças climáticas, que afetam a produção agrícola e representam uma ameaça real ao abastecimento de alimentos no futuro. Além disso, persistem os chamados desertos alimentares, áreas onde a oferta de alimentos saudáveis é escassa ou inexistente, agravando os índices de insegurança alimentar.

Portanto, a saída do Mapa da Fome deve ser comemorada com responsabilidade.

É preciso garantir políticas públicas de combate à pobreza, fortalecimento da agricultura familiar, controle dos preços dos alimentos e redução das desigualdades. A segurança alimentar não pode ser tratada como resultado pontual, mas como compromisso permanente, capaz de resistir a crises econômicas, políticas e climáticas. Só assim o Brasil poderá, de fato, erradicar a fome e garantir a todos o direito básico à alimentação digna.

Diário da Amazônia

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