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A legitimidade do controle sobre arte financiada pelo contribuinte

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Foto: Reprodução

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Em um momento de crescente polarização sobre valores culturais, Porto Velho traz à tona uma discussão fundamental: como equilibrar o financiamento público à cultura com a responsabilidade social do Estado? A recente aprovação de um projeto de lei que proíbe o uso de recursos públicos em eventos que façam apologia ao crime, violência e drogas coloca em evidência esse delicado balanço entre liberdade de expressão e responsabilidade fiscal.

A norma, que estabelece mecanismos de controle prévio sobre o conteúdo de apresentações artísticas financiadas com recursos municipais, suscita reflexões importantes. De um lado, defende-se o princípio de que o dinheiro público não deve fomentar manifestações que glorifiquem atividades criminosas. De outro, surge a preocupação sobre os limites da interferência estatal nas expressões culturais e o risco de censura.

É inegável que o Estado tem responsabilidade sobre como investe seus recursos. A preocupação com a mensagem transmitida por artistas financiados com dinheiro público é legítima, especialmente quando se considera o impacto dessas manifestações sobre o público jovem. Entretanto, essa vigilância não pode transformar-se em mecanismo de repressão cultural ou julgamento moral sobre determinados gêneros artísticos.

O caso do rapper Oruam, filho do líder do Comando Vermelho, Marcinho VP, ilustra a complexidade da questão. A trajetória familiar do artista e suas referências pessoais não deveriam, por si só, impedir sua expressão artística. Contudo, quando essa expressão promove ou glorifica atividades criminosas, justifica-se o questionamento sobre o uso de recursos públicos para amplificar tal mensagem.

O desafio maior reside na aplicação prática da lei. A avaliação prévia do conteúdo artístico exige critérios objetivos e transparentes para evitar decisões arbitrárias baseadas em preferências pessoais, preconceitos ou dogmas religiosos. Quem determinará o que constitui "apologia ao crime"? Como diferenciar a representação artística da realidade da promoção efetiva de comportamentos criminosos?

A participação da população através da Ouvidoria Municipal representa um aspecto positivo, promovendo o controle social sobre os investimentos públicos. No entanto, esse mecanismo também pode ser instrumentalizado para perseguições ideológicas se não houver critérios claros para avaliação das denúncias.

O equilíbrio nessa matéria passa pelo reconhecimento da pluralidade cultural, pela valorização da arte como espaço de reflexão social — inclusive sobre realidades duras — e pela responsabilidade no uso dos recursos públicos. A lei de Porto Velho levanta questões importantes, mas sua eficácia e legitimidade dependerão da forma como será implementada: como instrumento de responsabilidade fiscal ou como mecanismo de censura velada.

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