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A decisão que autoriza a criação do Parque Nacional Tanaru, em Rondônia, abre espaço para reflexão sobre a relação entre memória, preservação ambiental e responsabilidade histórica. A morte do último indígena da Terra Tanaru, o "Índio do Buraco", em 2022, encerrou a trajetória de um povo cuja língua, costumes e tradições jamais foram compreendidos em sua totalidade. Ao mesmo tempo, trouxe à tona um desafio inevitável: como evitar que o apagamento físico se converta em esquecimento definitivo?
O plano aprovado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece essa necessidade. A área de mais de 8 mil hectares, localizada no sul de Rondônia, será transformada em unidade de conservação de proteção integral. Mais do que uma ação administrativa, o gesto representa um marco simbólico de reparação. O território, antes ameaçado por pressões externas, passará a ter status de patrimônio coletivo. A medida, portanto, extrapola os limites do direito fundiário e projeta-se como um instrumento de preservação cultural e ambiental.
A trajetória do "Índio do Buraco", que viveu por quase três décadas em completo isolamento, expõe a complexidade da relação entre povos originários e a sociedade. Enquanto buscava permanecer distante da cjamada "civilização", a presença dele se transformou em símbolo de resistência e em alerta sobre as consequências da violência que recaiu sobre diversas etnias. A ausência de herdeiros diretos, contudo, exigiu que a memória fosse amparada por mecanismos institucionais capazes de garantir sua continuidade.
O Parque Nacional Tanaru cumpre essa função, mas seu alcance dependerá da execução rigorosa do plano de trabalho. O Estado brasileiro, por meio de seus órgãos ambientais, culturais e indigenistas, terá de assegurar que cada etapa prevista seja implementada com transparência. Informações semestrais e relatórios de progresso não podem se restringir ao papel. É preciso que a proteção seja efetiva e que impeça qualquer tipo de invasão ou degradação da área.
Há também uma dimensão pedagógica envolvida. Ao reconhecer o território como unidade de conservação, o país envia um recado sobre a necessidade de valorizar sua diversidade histórica e cultural. A memória de um povo extinto não deve ser tratada apenas como registro do passado, mas como parte da identidade coletiva que molda o presente. Preservar Tanaru significa, de certo modo, preservar a consciência nacional sobre o que foi perdido e sobre o que ainda pode ser protegido.
Por outro lado, cabe ponderar que a criação de um parque não é solução definitiva para os dilemas que envolvem a política indigenista. É um passo importante, mas não substitui a necessidade de ações mais amplas de proteção aos povos que ainda resistem em isolamento ou em situação de vulnerabilidade. A história de Tanaru não pode se repetir em outros territórios. O futuro exige vigilância, políticas públicas consistentes e respeito irrestrito às garantias constitucionais.
Diário da Amazônia