Amazonas

O "Passe Livre" Estudantil

Por Fernando Borges de Moraes


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A gratuidade do transporte para estudantes é frequentemente apresentada como conquista social e instrumento de promoção da educação. Contudo, seu enquadramento jurídico e seus efeitos práticos merecem reflexão serena. A Lei Federal n. 12.587/2012, que instituiu a Política Nacional de Mobilidade Urbana, dispõe que o custo do transporte coletivo deve ser remunerado pela chamada tarifa de remuneração, valor calculado a partir das despesas reais do serviço (combustível, manutenção, salários, tributos, depreciação da frota, entre outros). A tarifa pública, paga pelo usuário comum, é apenas parte desse montante.

Quando o estudante usufrui do passe gratuito, o que se estabelece é a transferência integral de sua obrigação de pagamento para o poder público. Em termos simples: se o aluno não paga nada, alguém pagará em seu lugar — e esse "alguém" é toda a sociedade, por meio de subsídios custeados com recursos públicos. Assim, a gratuidade não é propriamente gratuita: é fruto de um pacto coletivo pelo qual todos assumem o ônus de incentivar a formação educacional.

Sob a ótica constitucional, não há vedação a esse arranjo, desde que observados os princípios do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão (art. 175 da Constituição) e da modicidade tarifária. A política de gratuidade, porém, não pode ser implantada de modo a desequilibrar o sistema, sob pena de inviabilizar o serviço para todos. Por essa razão, a Lei n. 12.587/2012 determina que os benefícios tarifários — como isenções e gratuidades — devem ser objeto de política de custeio clara e transparente, de modo a assegurar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos e a continuidade do transporte coletivo.

Ação recente do Estado do Amazonas ilustra bem esse dilema: em juízo, o governo estadual requereu liminar para pagar apenas R$2,50 por passe estudantil, valor equivalente à tarifa pública. Ocorre que o custo efetivo do serviço é muito superior, devendo ser calculado pela tarifa de remuneração. A tentativa de repassar às empresas um valor artificialmente reduzido gera desequilíbrio contratual e afronta a própria lógica da lei federal. Em última análise, significa impor às concessionárias a obrigação de financiar, por conta própria, uma política pública que deveria ser custeada por toda a sociedade.

Em suma, o passe estudantil gratuito é legítimo como política pública, mas só se revela eficaz quando acompanhado de mecanismos claros de compensação financeira. Do contrário, corre-se o risco de comprometer o transporte coletivo como um todo, prejudicando justamente aqueles que mais dele dependem. A sociedade tem o direito de incentivar o estudo, mas o dever de fazê-lo dentro dos limites da responsabilidade fiscal e da segurança jurídica para os prestadores do serviço e para os demais usuários.

Fernando Borges de Moraes - Advogado formado pela UFPR, especialista em Direito do Trabalho pela UNISC/ENA, pós-graduando em Filosofia Tomista pela Universidade Católica de SC, sócio de Moraes & Horsth Advogados Associados e advogado do Sinetram - Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Amazonas há 20 anos.

 

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