Alberto Pizzoli/AFP
Alessandro Spiezia, optometrista responsável por fazer os óculos do papa Francisco, enviou ao Correio a foto de seu amigo no caixão, aberto, colocado diante do imponente baldaquino barroco, na Basílica de São Pedro, por volta das 18h (hora de Roma). Questionado pela reportagem sobre o que sentiu exatamente ao ver o jesuíta argentino Jorge Mario Bergoglio ali, ele respondeu: "Eu disse adeus a um pai; um pai amoroso, bom e misericordioso, que me segurava perto do peito toda vez que me via". Para Spiezia, as boas lembranças de Francisco, que o visitou na ótica por duas vezes, em 2015 e em 2024. "As memórias que guardo dele são um mundo todo, tudo o que ele me disse", afirmou.
"O grande silêncio me aproximou dele", disse à agência France-Presse, por sua vez, a soror (freira) Caterina, depois de vê-lo. "Tive essa emoção de sentir que temos o papa no céu, rezando por nós", acrescentou a religiosa, residente na Suíça. A portuguesa Francisca Antunes, estudante de medicina de 21 anos, disse que fez questão de agradecer ao "mais humilde dos papas". Amigos, cardeais, laicos, fiéis que admiravam o líder da Igreja Católica testemunharam o traslado do corpo do pontífice da residência de Santa Marta até a basílica. Longos aplausos irromperam em vários pontos do percurso.
Somente ontem, mais de 20 mil fiéis compareceram ao primeiro dia do velório público de Francisco. As filas gigantescas levaram o Vaticano a estender o horário de visitação até zero (19h no horário de Brasília). O papa está com o inseparável rosário entre as mãos e foi vestido com uma casula vermelha. Atendendo a um pedido expresso de Francisco, o caixão de madeira revestido de zinco não foi despoitado em um catafalco, ao contrário dos antecessores. Com a chegada de centenas de chefes de Estado e de governo, Roma se encontra em estado de sírio, com segurança máxima. A previsão é de que entre 150 e 170 delegações estrangeiros desembarquem na Cidade Eterna. Entre os líderes confirmaos, estão os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Donald Trump (Estados Unidos), Javier Milei (Argentina) e os reis da Espanha e da Bélgica, além do príncipe William.
Todos os acessos ao Vaticano e às ruas próximas foram completamente selados, com a instalação de pontos de controle. Mochilas e bolsas passam por revistas criteriosas e por inspeção em máquinas de raios-X. Na Basílica de São Pedro, a segurança somente foi flexibilizada para permitir um dos momentos mais emocionantes do dia: a freira Genevieve Jeanningro, em lágrimas, recebeu a autorização de se aproximar do caixão de seu melhor amigo. O clima entre os fiéis era de comoção. Crianças choravam e fiéis se detinham na fila para tirar fotos e filmar o pontífice com os celulares — algo que o próprio papa expressava reservas durante as missas e celebrações litúrgicas.
Às 20h de amanhã (15h em Brasília), o carmelengo Kevin Farrell comandará a cerimônia de fechamento do caixão, um rito solene previsto no Ordo Exsequiarum Romani Pontificis (Ordem dos Funerais do Romano Pontífice). No sábado, às 10h (5h em Brasília), o cardeal Giovanni Battista Re, decano do Colégio Cardinalício, celebrará a Missa das Exéquias e abrirá, oficialmente, o primeiro de nove dias de luto e oração. No fim da cerimônia, serão observados os ritos da Última Commendatio e da Valedictio (Última comenda e despedida). Então, o caixão será levado para o interior da Basílica de São Pedro e, de lá, transferido para a Basílica de Santa Maria Maior, a 3km da Praça de São Pedro, onde será sepultado. Francisco também deixou expresso o desejo de que o enterro ocorresse do lado de fora dos muros do Vaticano — mais um gesto de simplicidade. O último pontífice cujo funeral não ocorreu na Cidade do Vaticano foi Leão XIII, em 1903.
Conclave
Pela tradição da Igreja Católica, o conclave tem início entre o 15º e o 20º dia depois da morte do papa. Como Francisco morreu em 21 de abril, a previsão é de que a eleição de seu sucessor tenha início entre 6 e 11 de maio. O conclave contará com a participação de 135 cardeais, 80% deles escolhidos pelo próprio Francisco.
Especialista em história da Igreja Católica e professor da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, Roberto Regoli afirmou ao Correio que todos os papas desejam ser reformistas. "Há dois significados diferentes de reforma. A palavra vem do latim 'reformare', dos termos 're' e 'formare', que indicam um modelamento, uma nova formação. O termo pode olhar tanto para o passado quanto para o futuro. No mundo judiciário, realizar uma reforma normalmente indica a introdução de alguma novidade, assim também no mundo fiscal, militar, etc. No cristianismo, porém, o tema da reforma tem a ver com a área da pureza, com a remoção das incrustações da história da Igreja fundada por Cristo."
Correio Braziliense