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ZONA FRANCA E SUAS ORIGENS: A infraestrutura logística criada para sustentar a economia da borracha.

Comerciantes locais e investidores passaram a destinar recursos financeiros significativos para aprimorar a navegação nos rios.


A navegação foi um fator essencial para a vida econômica e social desta região do Brasil. Assim, a dinâmica gerada pela economia da borracha impulsionou a ampliação dos serviços de transporte, estabelecendo redes comerciais que dependiam diretamente dessa infraestrutura. Apesar de o Amazonas conhecer o transporte a vapor desde 1843, quando o Guapiaçú, da Marinha de Guerra brasileira, subiu pela primeira vez até Manaus, a realidade dos transportes ainda se restringia a remos e velas. Monteiro (1958) diz que em 1848 a canoa era o único meio de transporte no auxílio às populações sem que existisse sequer um cais ou rampa para o embarque e desembarque de cargas e passageiros. Como fomentar a atividade econômica da borracha diante dessa limitação? De fato, não havia como!

Com os avanços tecnológicos da Primeira Revolução Industrial na Europa e a Amazônia sendo um espaço estratégico para a extração da borracha - insumo de grande interesse para o desenvolvimento tecnológico - comerciantes locais e investidores passaram a destinar recursos financeiros significativos para aprimorar a navegação nos rios, reconhecendo o enorme potencial da atividade.

O regime das águas (enchente, cheia, vazante e seca) influenciava diretamente os serviços prestados. Durante a vazante extrema, as embarcações não conseguiam alcançar os seringais mais distantes do canal principal do rio Solimões-Amazonas. Nesse período, a produção de borracha permanecia estocada, aguardando a subida dos rios. Assim que as águas começavam a subir, uma grande movimentação de embarcações iniciava a busca pela borracha armazenada, que já estava negociada em Manaus e Belém para exportação.

O desenvolvimento da infraestrutura enfrentou dois desafios tecnológicos principais: o tipo de embarcação e o combustível utilizado.

Adaptação das embarcações ao "negócio da borracha"

a) A Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas não conseguia operar na maioria das rotas da borracha durante o período de seca e vazante, devido às características de suas embarcações—voltadas para navegação de longo curso, de maior porte e quilha em "V", necessitando um calado mais profundo para operar de forma economicamente viável.

b) Já os empreendedores de Manaus e Belém, atuando em rotas exclusivas, investiram em embarcações menores, chamadas chatinhas, com quilha em "U", adaptadas aos rios amazônicos, permitindo a navegação em menor calado, mesmo nas secas.

David Pennington, em sua obra de 2009, Manaus e Liverpool: Uma Ponte Marítima Centenária, descreve a importância das embarcações para o comércio fluvial da borracha:

[...] O vapor, verdadeira cidade flutuante, é um enorme investimento de capital, e, devido ao desenvolvimento constante de novas invenções, tem vida curta. Projetado para uma determinada rota de serviço, nem sempre pode ser utilizado para outras finalidades. Por esta razão, é mister ser operado com o maior despacho na carga, nos reparos e embarque de suprimentos (p. 56).

Desafios relacionados ao combustível

Os navios a vapor foram projetados para utilizar carvão mineral, escasso na Amazônia. Como alternativa, os comerciantes passaram a usar lenha, que era abundante na região. Contudo, abastecer as fornalhas exclusivamente com lenha reduzia a rotação das máquinas, tornando as viagens economicamente inviáveis. A solução encontrada foi misturar lenha e carvão, permitindo a racionalização do carvão e garantindo potência suficiente para equilibrar custos e tempo de viagem. Dessa forma, a Amazônia se tornou pioneira no uso da lenha como combustível para embarcações, dando origem aos Portos de Lenha.

Para evitar o retorno aos antigos métodos de navegação (sirga e vela), os navios precisavam ancorar a cada 24 horas para reabastecer com cerca de 6 mil achas de madeira, em uma operação que durava de 4 a 5 horas. Isso levou à criação das primeiras infraestruturas de abastecimento, em Vila Bela e Serpa (atuais municípios de Parintins e Itacoatiara). Nessas localidades, a madeira era coletada, selecionada e preparada para armazenamento nos conveses dos navios.

Os portos de lenha rapidamente se tornaram negócios rentáveis, devido à crescente demanda por combustível e seu alto custo. Isso fez surgir pontos de abastecimento independentes ao longo das rotas, reunindo trabalhadores que buscavam emprego como lenheiros. Até as companhias de transporte começaram a criar seus próprios pontos de abastecimento e contratar funcionários para extração de lenha. Muitas vilas e cidades surgiram desse processo, tornando-se municípios na era republicana.

Expansão do comércio e fortalecimento da infraestrutura

Em 1869, o governo provincial apoiou o comerciante português Alexandre Paulo de Brito Amorim, contratando-o para operar linhas regulares de vapores nos rios Madeira, Purus e Negro. Em 1875, ele fundou a empresa Liverpool and Amazon Royal Mail Steamship Company Limited na Inglaterra, a partir de uma autorização concedida pela província, estabelecendo uma rota direta de comércio com a Europa. O trajeto inaugural foi realizado pelo Navio a Vapor Amazonas.

Em 1874, foi criada a Capitania dos Portos da Província do Amazonas, para fiscalizar o tráfego fluvial. Já em 1899, a construção e administração do Porto de Manaus foram transferidas para a iniciativa privada.

O movimento do Porto de Manaus demonstra tal assertiva (Figura 1), quando alcança em 1902 a ancoragem de 1099 navios a vapor (140 embarcações estrangeiras, 342 nacionais e 617 vindas do interior), ou seja, o comércio do interior nos rios representou neste ano mais de 56% do movimento portuário em Manaus. As igarités, os bergantins, as pirogas e as ubás que percorriam as águas do Solimões-Amazonas em 1850 deram lugar aos gaiolas, batelões, vaticanos, chatinhas, alvarengas, rebocadores e lanchas a vapor.


    

Fonte: Loureiro (2007)

 

Todos esses investimentos e empreendimentos precisaram ser justificados, tema que abordaremos no próximo artigo. Nele, discutiremos como as finanças da Província e da República viabilizaram esses projetos e as medidas de incentivos fiscais e financeiros adotadas.

 

Marcelo Souza Pereira, é Economista, Especialista em Gerência Financeira,

Mestre em Desenvolvimento Regional, Doutor em Sustentabilidade na Amazônia. É ex-superintendente da

SUFRAMA e servidor público cedido à Câmara Federal.?

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