O direito de greve é uma das conquistas mais expressivas da democracia moderna. Previsto na Constituição, Artigo 9º, como instrumento legítimo de defesa de interesses coletivos dos trabalhadores, ele carrega consigo, no entanto, uma responsabilidade inegociável: a de respeitar os limites da legalidade, da boa-fé e do interesse público.
Em determinados contextos, especialmente em atividades de natureza essencial, como é o caso do transporte coletivo urbano, a paralisação indiscriminada e precipitada compromete não apenas o equilíbrio entre as partes da relação laboral, mas a vida concreta de milhares - ou milhões - de cidadãos. E é nesse ponto que se impõe uma reflexão urgente sobre a diferença entre o exercício do direito e seu uso abusivo.
Greves convocadas de forma "condicional", com base em hipóteses futuras ou sem a frustração efetiva de tratativas institucionais, transformam o que deveria ser uma manifestação responsável em ato político de coação. São movimentos que não brotam de impasses reais, mas de estratégias de pressão descoladas do diálogo legítimo e do respeito ao processo negocial.
A Lei 7.783/89, que regulamenta o direito de greve, é clara ao exigir o esgotamento das tentativas de negociação antes de qualquer paralisação. O mesmo exige a jurisprudência consolidada do Tribunal Superior do Trabalho (TST), conforme a Orientação Jurisprudencial nº 11 da SDC. Ou seja, deve haver uma prévia tentativa pacífica e direta de resolver os conflitos antes que se justifique a paralisação das atividades.
Mais do que ilegal, o uso da greve como arma política, como frequentemente ocorre — especialmente quando afeta serviços essenciais — revela desprezo pela segurança jurídica, pela confiança pública e pelo princípio da proporcionalidade. Quando um sindicato ignora pactuações formais, instâncias mediadoras ou simplesmente opta por surpreender a sociedade com anúncios alarmistas, ele não está mais defendendo a categoria: está instrumentalizando um direito coletivo em benefício de interesses privados de cúpula.
É necessário reafirmar: greve não é sinônimo de chantagem. Tampouco pode servir como palanque para crises fabricadas. O direito de greve termina onde começa o direito da coletividade à ordem, à mobilidade, ao trabalho e à dignidade.
Fernando Borges de Moraes - Advogado, especialista em direito do trabalho pela UNISC/ENA, assessor jurídico do SINETRAM e sócio de Moraes & Horsth Advogados Associados.
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