O Projeto de Lei nº 2.628, que tramita no Congresso Nacional sob o rótulo de "regulação das redes sociais", promete enfrentar problemas de exposição de crianças e adolescentes a conteúdos nocivos e criar mecanismos de responsabilização para as plataformas digitais. No entanto, o texto atual levanta sérias preocupações jurídicas e institucionais, indo além da proteção da juventude e tocando em pontos sensíveis de direitos fundamentais.
Um dos dispositivos mais polêmicos é o artigo 28, que obriga a retirada de qualquer conteúdo considerado ofensivo a crianças e adolescentes mediante denúncia de qualquer pessoa. Essa abertura desmedida permite abusos, como no caso de um parlamentar que poste imagens de uma passeata em que apareça uma criança e veja seu conteúdo derrubado por denúncia de terceiros sem qualquer vínculo. A solução mais adequada seria restringir a legitimidade da notificação a pais, responsáveis legais, Ministério Público ou entidades de proteção de menores, nos termos do artigo 21 do Marco Civil da Internet.
Vale lembrar que o Marco Civil da Internet, aprovado em 2014, é considerado uma legislação moderna e equilibrada, que consagrou princípios como a neutralidade da rede, a proteção de dados e o devido processo na retirada de conteúdos. Trata-se de uma boa lei, construída a partir de amplo debate democrático, e que não necessitava de alterações estruturais tão profundas. Alterá-la sem o mesmo cuidado pode significar um retrocesso em termos de segurança jurídica e liberdade digital.
Outro ponto delicado está nas sanções. O texto prevê que a autoridade nacional responsável - um "ministério da verdade"? - aplique punições diretamente às plataformas, concentrando poder nas mãos do Executivo. Isso cria um risco concreto de pressão política, deixando empresas sujeitas ao governo de ocasião. Para mitigar esse risco, a competência sancionatória deveria ficar adstrita ao Poder Judiciário, onde há contraditório, devido processo legal e menor espaço para interferência política.
A insegurança jurídica também se agrava pelo excesso de poder regulatório infralegal. O projeto concede ao Executivo prerrogativas para detalhar normas e punir empresas por meio de regulamentos, sem clareza sobre os limites dessa atuação. Esse desenho institucional amplia a margem de incerteza e compromete a previsibilidade das regras.
Outro ponto crítico é a abertura para censura. Ao impor mecanismos de retirada rápida de conteúdos com base em denúncias vagas, sem necessidade de decisão judicial, o PL cria um ambiente em que opiniões incômodas ao poder de turno podem ser silenciadas. A liberdade de expressão, pedra angular do Estado Democrático de Direito, não pode ser relativizada em nome de uma regulação que, sob pretexto de proteger, pode se converter em instrumento de controle e intimidação.
Além disso, há um evidente desequilíbrio de responsabilidades. O projeto concentra obrigações quase exclusivamente nas plataformas digitais, mas episódios concretos mostram que a questão é muito mais complexa. No caso "Hytalo", por exemplo, a escola tinha ciência da ausência do aluno por 45 dias, o Ministério Público do Trabalho encaminhou denúncia que não chegou à polícia, e a Justiça chegou a determinar a reativação de uma conta já suspensa pelas próprias redes. O episódio demonstra que o problema não está apenas nas plataformas, mas também na negligência familiar, na omissão escolar e na falta de coordenação institucional. Imputar às redes a totalidade da responsabilidade é um erro que desconsidera a corresponsabilidade entre famílias, escolas e Estado.
É possível proteger crianças e adolescentes sem abrir caminho para abusos, insegurança jurídica, censura e riscos de captura política. O projeto, tal como redigido, carece de ajustes importantes para preservar tanto os direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, quanto a estabilidade institucional. Mais do que impor encargos desproporcionais às redes, é preciso preservar na prática normas já existentes de corresponsabilidade que envolva todos os atores sociais - sob pena de transformar a regulação em mais um instrumento de concentração de poder e censura.
Portal SGC