A solicitação do Ministério Público Federal (MPF) à Agência Nacional de Mineração (ANM) revela uma histórica fragilidade na proteção dos territórios tradicionais brasileiros. A necessidade de distinguir claramente entre pesquisa mineral e exploração comercial não é mera burocracia — é uma questão de sobrevivência para comunidades inteira.
Há décadas, povos indígenas e comunidades tradicionais enfrentam a invasão predatória de seus territórios sob o disfarce de "pesquisas minerais". O subterfúgio técnico que permite transformar autorizações de pesquisa em exploração comercial tem sido uma porta aberta para a devastação de áreas protegidas e sagradas.
As consequências dessa distorção normativa são devastadoras. Rios contaminados por mercúrio, solos degradados e tecidos sociais destroçados são o legado dessa flexibilização perversa. O garimpo ilegal, travestido de pesquisa mineral, é a causa da destruição do ambiente físico, e também corrosão das bases culturais e espirituais das comunidades tradicionais.
A proposta do MPF representa um avanço significativo, mas ainda insuficiente. Além das diretrizes técnicas sugeridas, é fundamental incorporar o direito à consulta prévia, livre e informada, garantido pela Convenção 169 da OIT. As comunidades afetadas precisam ter voz ativa nesse processo.
O prazo de 90 dias estabelecido para a edição das normas reflete a urgência da situação. Enquanto se debate tecnicalidades, territórios ancestrais são invadidos e degradados sob o manto da legalidade aparente. A distinção clara entre pesquisa e lavra não é apenas uma questão administrativa é, principalmente, um imperativo ético.
É hora de reconhecer que a preservação dos territórios tradicionais não é obstáculo ao desenvolvimento, mas sua própria garantia. A riqueza mineral do Brasil não pode continuar sendo extraída às custas da destruição de culturas milenares e ecossistemas únicos.
A experiência internacional demonstra que países como Canadá e Austrália, com expressiva população indígena e forte setor mineral, já adotam há anos distinções rigorosas entre pesquisa e exploração. Seus modelos de governança mineral, além de proteger territórios tradicionais, garantem também maior segurança jurídica para o próprio setor minerário.
O Brasil não pode mais postergar essa discussão. O custo social da indefinição normativa já ultrapassou qualquer benefício econômico imediato. É necessário um pacto nacional que harmonize os interesses de mineração com a preservação cultural e ambiental, reconhecendo que a verdadeira riqueza de uma nação não se mede apenas pelos minérios em seu solo, mas pela diversidade de seus povos e pela integridade de seus territórios ancestrais.
A ANM tem agora a oportunidade histórica de corrigir essa distorção. Que as novas normas não sejam apenas mais um conjunto de regras burocráticas, mas um marco na proteção efetiva dos direitos dos povos originários e comunidades tradicionais.
Diário da Amazônia